Poemas : 

Odor a Rancor

 
 


Sinal de um tempo demorado
Esse
De reconhecer
Os sítios antigos
Nos locais novos

Neste parapeito
De letras
Antes
Éramos mais
Não melhores

Hoje somos
Menos
Mais desligados
Mais velhos
Não muito melhores

Ali
Naquele canto
Havia um lamento
Escrito a pares

Agora
Estão algumas andorinhas
Cozendo as calças
Para as mulheres
E fazendo as bainhas
Das saias
Para os rapazes
Com poucos pelos na cara

O tempo de ontem
Não foi espetacular
Hoje o tempo
Está esquisito

Estão batizando as tempestades
Com muitos nomes de mulheres
E quase todas as ruas
Tem nome de homens

Já se faz tarde
Esta passerelle não é para gente de cajado

Como velha do Restelo,
Reconheço
Que este cais do luso
Está em desuso
Sinais de um tempo mundano

Os motores substituíram os remos
Os navegadores
Não receiam os demos dos cabos
Tem fibra para navegarem
Até ao fim da liberdade
Sem olharem para outras estrelas
Nem mesmo para os obstáculos

Como pescadora de Cação
Cada vez mais
Estas redes
Apanham
Plástico
E não o peixe
Fantástico
De outros tempos



 
Autor
Nocturlábio
 
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Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 21/01/2024 07:21  Atualizado: 10/02/2024 06:49
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2123
 Re: Odor a Rancor
Gosto de pescadoras de ca(n)ção com nome de rua.

Este é um metapoema que obedece a uma lógica que pode-se, ou não, concordar.

Para já, e se formos mais literais na leitura, o poema em si já cumpre um objectivo:
ir "...batizando tempestades com.... nomes de mulheres...".
Deteta-se algum feminismo saudável.

Odor é um bom nome.
Não tem o sentido positivo do perfume nem o negativo do cheiro.
E onde se lê odor, pode-se ler ó dor.

O rancor é um mal necessário.
É pai da vingança e talvez da justiça e filho da memória.
Que fariamos nós sem um pouco dele? Seriamos vítimas permanentes dum mundo bastante sujo e violento.
Um título curto que se pode tornar bem denso.

Concordo com a idade/velhice a cortar a impetuosidade.
Que fazer?
Refazer os objectivos e ser disciplinados...

Por vezes a sua ausência é só sinal de paz, não sei se podre...
Remar "...sem remos..." contra a maré exige força, mas também ambição ou indignação.

"...motor..."?
Proponho braços...

Gosto muito da primeira estrofe, que por si só já seria um poemeto de qualidade superior, pelo enigma e pelo uso do Tempo (esse monstro) como personagem.

Este poema (acho que consegue ser poesia), portanto, é irónico pois na sua publicação propõe-se a fazer o que nega que agora haja...

Interessante e segundo o que li doutros do autor, de alguma coerência de qualidade no uso inteligente de metáforas e esmero geral.

Bem-vinda
Queremos mais...

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/01/2024 12:46  Atualizado: 21/01/2024 12:46
 Re: Odor a Rancor
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Gostei dessa dupla onde quem sai ganhando é o leitor. Abraços.