Hoje quero contar-vos uma história…
Uma história que certamente não ficará, de ninguém, na memória!
Mas e porque não contá-la?
Glória, foi menina abandonada pelo pai, tinha ela dois anos,
A mãe ficou desempregada, com um recém-nascido nos braços…o irmão!
Pouco tempo depois a mãe começou a afogar no álcool, seus enganos,
E aos poucos e sem se aperceber…fez do álcool sua ilusão!
Agora uma alcoólica, que perdeu todo o amor-próprio e por si a consideração,
Mergulhada no seu próprio caos…fazia do seu corpo muitas vezes o “ganha-pão”.
E uma alma sombria, num corpo embriagado e numa mente sem razão,
Faz actos e atitudes imperdoáveis…e sem compreensível explicação!
Glória e o irmão…tiveram que se adaptar á carência e aos maus-tratos,
Em vez de um beijo de boa noite…ou uma história antes de dormir,
Era mais frequente uma bofetada em que o nariz ficava a sangrar…
Ou adormecerem agarrados um ao outro com medo do que poderia surgir,
Isto é apenas alguns exemplos…breves relatos…
De momentos que são dolorosos contar!
Porque há crianças, como a Glória e o irmão, que ao olharem para simples acessórios,
Como cintos, cordas…ou uns meros suspensórios…
Lhes associem outras utilidades, que a maiorias das pessoas lhos possam associar.
A menina aos seis anos…não entendia o porquê da punição física…e afectiva,
E ocasionalmente até de abusos sexuais…
Por parte de “amigos” que sua casa frequentavam…
Onde estava a protecção de uma Mãe… um familiar, quando era mais precisa?
Onde estava os representantes da Lei para a protegerem destes “animais”?
Onde estavam?
Uns meses depois de Glória completar sete anos…sua mãe faleceu…expirou.
Deixando assim duas crianças órfãos…ao cuidado de um embriagado padrasto,
Que por não lhes ter nenhum amor… se transformou em eficaz carrasco.
Abandonados ao seu destino…muitas vezes foi algum vizinho que a fome lhes saciou.
E quando essa sorte não acontecia,
Juntinhos adormeciam com o medo e a “barriga vazia”.
Mas por muito duros que fossem os seus dias…tinham-se um ao outro,
E não era isso que os impedia de sorrir ou sonhar…
Faziam muito do pouco…
E no fundo nunca deixaram de acreditar!
Passado ano e pouco depois da sua mãe falecer,
Acabaram num Lar para crianças em risco, que aceitou em os acolher.
Imagino o que estão a pensar…
Que os seus problemas acabaram…
E que finalmente tiveram algum bem-estar…
E se eu vos disser que uma vez mais se enganaram?
Quando se vive á mercê da generosidade da nossa sociedade,
Tudo o mais fica aquém!
Os alimentos eram escassos, os castigos muito severos,
Para crianças como Glória…parece distante uma possível felicidade,
Sentem-se esquecidos…que não têm ninguém…
E qualquer momento de afecto é ineficaz e efémero!
Os dias de Glória eram longos, e as noites frias e vazias…
Adormecia chorando…derramando lágrimas quentes em fronhas frias.
A menina foi crescendo…e aprendendo a lei da sobrevivência,
Onde o trabalho era árduo, a vida dura e cruel…
Em que apenas se “desenrascam” aqueles que são mais fortes.
E é difícil manter-se “são” e colmatar a afectiva carência,
Pois se a uns lhes calha o mel, para outros resta-lhes o fel.
São destinos…são sortes!
Alguma vez pararam para imaginar…o que é para uma criança,
Sentir-se só e desamparada?
Desejar todas as noites alguém que a aconchegue…que a beije,
Sentir-se amada, desejada?
Desejar não sentir mais medo…nem acordar com pesadelos, baseados em lembranças,
Ter alguém que sonhos cor-de-rosa lhe deseje?
Que a abrace e que diga que a ama…que a trate como vê tratar inúmeras crianças?
Imagino que alguns até saibam do que estou a falar,
Mas a maioria faz por nisso nem pensar!
Mas abreviando a nossa história para não muito vos massacrar,
Glória cresceu envolta em revolta e com muitos problemas,
Ultrapassando duros obstáculos e resolvendo seus dilemas.
Não foi uma adolescência fácil…se normalmente não o é…
Imagine-se sem ninguém que lhe dissesse a diferença entre o certo e o errado,
Mas ela não desistia fácil…e acima de tudo tinha muita fé,
E tentava construir seu futuro, baseado nos exemplos do passado.
Não queria repetir os mesmos erros de sua mãe,
Nem ser mais uma das histórias dos que com ela viviam também.
Gloria foi estudando e tornando-se uma mulher,
Uma jovem decidida que sabe bem o quer.
Sonhadora e imaginativa…que gosta de rir e ama a vida.
Diversas vezes caiu…as mesmas se levantou,
Foram muitas as vezes que assombrada pelas suas memorias,
Mergulhada em seus medos…revoltada com a sociedade,
Que por pouco não se suicidou…
Teve muitos fracassos…algumas vitórias,
Mas sempre lutou…ás vezes contra si própria…combatendo a sua debilidade.
Hoje é mulher que ainda sonha…ainda luta com convicção e esperança…
E muitas vezes é menina…que apenas deseja ter tido diferente infância…
Mas Glória sabe que foi todo aquele percurso que teve que percorrer,
Que fez dela a mulher que é hoje…determinada e sem nada a temer.
Há muitas inter linhas que ficaram por contar,
Mas a historia já vai longa e vou ter que terminar.
Muitos de vós agora interrogam-se porque vos contei esta história,
Mas desde já vos esclareço que não foi para sentirem tristeza,
Pelos órfãos ou crianças abandonadas… pela própria Glória …
Mas sim um apelo á vossa consciência…pelos vossos actos…pela vossa indiferença
Enquanto pais e cidadãos…que cumprem a vossa obrigação.
Pois normalmente é o egoísmo e frieza, a indiferença e o constante ignorar,
Que faz com que todos os dias aconteçam historias como a da Glória e o irmão.
Mas nem tem todas têm o mesmo final…estes dois hoje tem vidas como os demais,
Mas quantos deles não acabam como aqueles a que vocês gostam de apontar como marginais.
Quantas Glórias acabam se prostituindo…e em becos sem saída?
Quantos irmãos acabam presos, criminosos e toxicodependentes sem rumo, sem vida?
E quantos de vós perguntam o porquê, ou qual será a sua história?
Fazem ideia do que muitos deles tiveram que suportar?
A minha escrita não é mais que o grito para que a nossa sociedade hipócrita deva enfim acordar!
(Vania B.)