Poemas : 

Ao quarto levo, um também

 
Num levo, deixo.

Todo o peso que me cai
nada mais é que massa sem gravidade,
espessa,
que evapora por gosto
e me faz preso se vai,
à idade do chão sem pais e passa
depressa,
enruga, marca e leva o rosto.

Leve, tudo.

Trago
a mim agarrado por todo o meio, pela língua, pelo respirar, ouvidos e olhares,
na memória da pele

incerto se me acompanha,
me respeita

ou se submete...

Num levar, deixo
o resto.


Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.

 
Autor
Rogério Beça
 
Texto
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Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 28/11/2023 21:54  Atualizado: 28/11/2023 21:54
Administrador
Usuário desde: 02/10/2021
Localidade:
Mensagens: 588
 Re: Ao quarto levo, um também p/ R. Beça
.
Na Idade Média, usava-se o verbo "leixar", que não é, mas bem que poderia ser, uma mistura de levar e deixar, ou seja, a ação de partir com algo que transportamos connosco, mas que também nos prende ao ponto de partida.

Haverá aqui referência ao crescimento, à "idade do chão sem pais"?

Ao abandono amoroso, no "quarto" do título, na "memória da pele", agarrada "pela língua", por "ouvidos e olhares"?

Ao confronto da vida real com a vida da/pela imaginação?

Não sabemos. Apenas sabemos que há um equilíbrio poético nesta balança do leve e do pesado, do "sem gravidade" e do "espesso", que surpreende e fascina.

Abraço, irmão.

Enviado por Tópico
Egéria
Publicado: 29/11/2023 15:01  Atualizado: 29/11/2023 15:01
Usuário desde: 28/09/2009
Localidade:
Mensagens: 947
 Re: Ao quarto levo, um também
Olá,
espectacular, adorei...
Abraço

Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 29/11/2023 20:44  Atualizado: 29/11/2023 20:44
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3764
 Re: Ao quarto levo, um também/Rogério Beça
Olá Rogério

Li e reli e de todas as vezes ,submergi no espectro da alma, talvez porque a idealize num quarto, com quatro lados leves, a pairar enquanto no meu quarto deixo.me levar...pelo peso ds matéria porque a sinto ,material,apesar do de" um" imaterial, esse 'um"que sobrevive à morte .
O resto... é ler e reler porque o poema termina mas a alma não.


Atenciosamente
HC

Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 17/05/2024 22:38  Atualizado: 17/05/2024 22:38
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 18598
 Re: Ao quarto levo, um também
Você conseguiu dar um nó nos sentidos nossos. Gosto imenso do jogo de cintura desse poemão. Pena que acaba… bjs

Enviado por Tópico
Beatrix
Publicado: 28/05/2024 02:18  Atualizado: 28/05/2024 02:19
Da casa!
Usuário desde: 23/05/2024
Localidade:
Mensagens: 337
 Re: Ao quarto levo, um também / Rogério Beça
-
Olá.

Tudo parece tão leve, de massa, quase oca e, simultaneamente, pesado. Mas não da gravidade. Essa força que leva a deixar cair.

Leve, levar, verbo e adjetivo no mesmo poema, propositadamente. Se há alguém que leve algo de nosso, como não ficar mais leve? E queremos isso? De onde vem essa necessidade?

Queremos que tudo seja leve, e/ou que levem tudo. São bem diferentes, apesar de relacionados.

Mas se
Todo o peso que me cai
(...)
que evapora por gosto
e me faz preso se vai

Ao levar, ficamos leves e presos. Às memória da pele, ao que trazemos agarrados a nós.
Isso não cai, não fica leve, nem se deixa levar.

Só se
Num levar, deixo
o resto.


Extraordinário! Parabéns. Mesmo muito, muito bom.

Beatrix.