I.
Existem ideias realmente tentadoras nas quais nossas amarras morais parecem afrouxar. Os ursos negros, por exemplo, hibernam de cinco a sete meses por ano. A ideia de seguir o processo, porém, apenas inviabiliza-se na localização de sua origem; os Estados Unidos. Arthur, como se sabe, significa “grande urso”, e quando alguém com longos dedos aponta os riscos de começar a beber as nove da manhã, a resposta surge categórica: em algum lugar da Ásia já são nove da noite. Conquanto seja fato irrefutável a questão do horário, digamos, no Japão; até mesmo o anseio por dominar a arte do sono sucumbe por transtornos meramente geográficos. Ou de batismo. Sem nenhum outro dom assegurado resta uma espécie de traição por parte do Esopo. Afinal, numa das fábulas afirma-se, com todas as letras: não há ninguém completamente desamparado de natureza e sem graça particular. Embora eu carregue alguma maestria em inutilidade.
II.
Nietzsche afirmou existir um juízo característico de negação do valor da vida em todos os sábios. Ora, se minha experiência corrobora com algo, certamente é isso. A intelectualidade parece-me uma festança no Olimpo. E eu, pobre penúria, longínquo, circundo os portões atrás das migalhas. Mas sei que sei raciocinar. Hoje mesmo já havia, com antecedência, por exemplo, pensado em almoçar. Não somente na ação, mas também nos seus: arroz, feijão, purê de batata e filé de frango. Veja bem, escapa-me a familiaridade sobre o pensamento de Nietzsche em relação à filés de frango, entretanto ponho-me confortavelmente favorável. O grande problema de Sócrates, a amarra na melancolia; talvez previsse os seus instantes finais, o grande equívoco no pedido derradeiro: ofertar um galo para o deus Asclépio ao invés de saboreá-lo.