PROCESSOS NA MESA
O começo
Estava chateado e cansado do blá-blá de todos os dias da minha amada reclamando a falta de dinheiro, que tomei uma drástica decisão. Dois irmãos meus estavam empregados no Tribunal de Justiça do estado, ambos colocado por um desembargador amicíssimo e até aparentado do velho Bamba, quando fora corregedor-geral de justiça.
Um dia conversando com o motorista dele no carro oficial, um luxuoso Comodoro com ar condicionado e chapa preta que me levava para fazer um serviço de solda na mansão do dito cujo, ousei perguntar-lhe se havia possibilidade do doutor arranjar um empreguinho para mim no tribunal. Seu Vital, o robusto motorista adiantou-me, que eu deveria ter paciência pois o doutor seria o próximo presidente do tribunal, assim ficaria mais fácil.
Em janeiro de 1990, o amigo do velho Bamba assumiu a presidência. Fiquei naquela, vou ou não vou e o tempo corria, ainda fui umas três vezes até a porta da mansão dele, mas não senti firmeza e voltava
Quando finalmente criei coragem era junho. Vesti a melhor roupa embolorada e cheirando a naftalina e encarei -o, levando um envelope com uns recortes de jornais com umas reportagens sobre mim..
Era sete horas da manhã. Um PM em farda de passeio encontrava -se na porta e olhou-me duramente e meio desconfiado. Disse-lhe que queria falar com o doutor desembargador e que era também o filho do ferreiro Bamba. Abriu a porta e entrou meio sem vontade com a cara amarrada. Minuto depois voltou com uma feição mais sociável e mandou-me segui-lo até um terraço atrás da garagem. O meritíssimo sentado num banco de ferro fundido, vestido num robe de chambre, apertou-me a minha mão fria, mandou-me sentar ao lado e procurou pelo velho Bamba.
Fiquei um pouco nervoso, mas abri o verbo e contei-lhe o proposito da minha visita. Expliquei-lhe a minha situação, com os serviços escassos na oficina e etc e tal. Ouvia com um bom juiz analisando um caso, com os braços cruzados no peito.
- Meu filho, o serviço lá paga mal e pouco e o salario é o mínimo – disse-me a guisa de arrefecer meus ânimos.
- Doutor, essa salario baixo me serve, por que aaim poderei me planejar, quero voltar a estudar – abrir o envelope, tirei os recortes e mostrei uma reportagem sobre um dicionário russo que havia organizado, deu uma olhada e um leve sorriso aflorou no canto de seus lábios.
- Tu estudas russo?
- Sim, senhor. – Respondi meio acanhado
Balançou a cabeça satisfeito, devolveu-me os recortes e encarou-me.
- Bem, nesse momento não posso fazer nada. Estamos em época de eleição. Mas vou começar a pensar no teu problema no ano que vem, verei o que posso fazer.
- Então posso ficar tranquilo?
- Não – alterou a voz – não estou te prometendo nada. Ainda vou pensar no teu caso a partir de janeiro, entendeu?
- Sim, doutor. Estendi-lhe a mão, ele a apertou e assim encerramos nosso encontro
Chamou o PM que me acompanhou até a porta, abrindo-a para mim sai. Na rua respirei aliviado, o passo inicial foi dado, agora era esperar esses longos seis meses. .Fui direto para a lojinha da minha amada, que estava roendo as unhas mais ansiosa do que eu.
- E ai? – perguntou-me com os olhos brilhando.
- Ficou para o ano que vem! – respondi e segui para oficina no beco de seu Eneas no bairro do Portinho