Andar por aí
Andar por aí
É ser de novo
Jogado para o alto,
É ir trepado
Nos teus ombros
Sentindo o olor dos teus cabelos
E o frêmito ao ver
O contorno de teus seios.
Andar por aí
É brincar de novo
Na gangorra e no balanço,
Sob um olhar de candura,
Sentir o vento,
As lufadas de ar
No meu rosto e cintura.
Andar por aí
É ver de novo
O meu ferrorama
Dando voltas e mais voltas
Ao lado da minha cama.
Andar por aí
É voltar a brincar e correr
Pela praça,
É viver num mundo
Sem nenhuma ameaça.
Andar por aí
É esquecer os sacolejos
De mais uma viagem
Repleta de agonia,
A náusea e o desprezo
Que me acompanham
Até o fim do dia.
Andar por aí
É imaginar-me de novo
À barra de tua saia
Quando preparavas o almoço
E me falavas do perigo
Das facas e do fogo
Para que, quando
Eu fosse moço,
Tomasse cuidado
Com a cidade,
Com tanto rebuliço
E alvoroço.
Andar por aí
É estar de novo
No teu colo de acalanto,
É dormir no embalo
Dos teus braços
E canto.
Andar por aí
É voltar a ter esperança,
É rever-me,
Em cada rua,
Em cada esquina
E bairro,
Os tempos idos de criança.
Andar por aí
É repisar, repisar,
Passo após passo,
O entrelaço
Da minha vida
Com tanto aço,
Vias, vigas e vidas.
É ver o transfigurar
Da antiga vizinhança,
De velhas ermidas e endereços
Em tanta rua por que passo,
Em multidão que não conheço,
Mas na qual me vejo,
Rosto antigo de menino
Que nunca deixou
De ser teu filho,
Ó mãe, cidade,
Deste andarilho.