Poemas : 

rostos do oeste

 
perdoei-te bem mais do que
um verso quebrado
os hurras no picadeiro
os ecos do desfiladeiro
o polegar invertido
sobre a arena cada vez mais vazia

perseguia-te há muito
por detrás das lonas
que escondiam grades
que escondiam feras
que escondiam rostos
não máscaras,
como querias fazer crer

e entre nós
- os intérpretes do teu guião
de sangue e lantejoulas
as criaturas de fim de turno -
estava quem, na sombra, te reconheceu
quem da fímbria da tua túnica
fez seu hábito
quem cerziu a pele com o teu verbo
quem engoliu o sexo frio do teu sopro
quem, da frisa lateral,
se avistou, entre os humilhados e os proscritos

foi no deslumbramento da revelação
que te abandonei
e fui sonhando outros sonhos
errando outros erros
fingindo a realidade que sempre me negaste

e pela primeira vez
pude ouvir a tua voz
chamaste-me ingrato
blasfemo
pedaço de vazio...
expulsaste-me do teu poema
e eu agradeci-te:

para memória,
basta a dor de que não me quero desfazer
para fé,
basta a que nunca tiveste em mim

 
Autor
Benjamin Pó
 
Texto
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Enviado por Tópico
Sergius Dizioli
Publicado: 21/08/2023 11:33  Atualizado: 21/08/2023 11:33
Administrador
Usuário desde: 14/08/2018
Localidade: काठमाडौं (Nepal)
Mensagens: 2243
 Re: rostos do oeste
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Um deleite! Talvez eu devesse parar por aqui ao comentar teu poema, pois é isso que a mim é.
Todavia ouso deitar mais algumas linhas a este comentário, pois é preciso que se saiba como um poema pode se destacar entre outros a um espírito acostumado a ler poemas.
De verdade, surpreender a quem lê pela primeira vez, talvez não seja incomum. Mas tu não. Surpreendes entre os mais surpreendentes que costumo ler, é a mão erguida entre braços cruzados, o ponto rubro entre os cinzas, a flor entre as pedras.
Grato por nos permitir ler algo assim. Saudações.

Enviado por Tópico
Aline Lima
Publicado: 21/08/2023 16:41  Atualizado: 21/08/2023 16:41
Usuário desde: 02/04/2012
Localidade: Brasília- Brasil
Mensagens: 735
 Re: rostos do oeste p/ Benjamin
Querido Benjamin,

A sua poesia me envolveu profundamente, explorando as emoções complexas de um relacionamento que transita entre ilusão e autenticidade. A imagem das "lonas", escondendo não apenas grades, mas também feras e rostos, desenhou uma metáfora poderosa das máscaras que todos nós usamos.
Senti a coragem do eu lírico ao desvendar destemidamente a verdade por trás dessas aparências, isso tocou verdadeiramente o meu coração.
A mudança de perspectiva, da acusação à gratidão, transportou-me numa jornada de autoafirmação e força recém-descoberta, transparecendo uma transformação que simboliza a libertação das narrativas enganosas.
Lendo o seu texto, refleti sobre as lutas pela autenticidade e o profundo impacto da aceitação. Percebi uma valorização da realidade, sem se desfazer totalmente da experiência que molda a compreensão.
Agradeço sinceramente por compartilhar a sua voz poética que sempre me cativa.

Beijos.

Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 21/08/2023 18:00  Atualizado: 21/08/2023 18:00
Administrador
Usuário desde: 22/11/2018
Localidade: RIO - Brasil
Mensagens: 2220
 Re: rostos do oeste
.
.
.
"foi no deslumbramento da revelação
que te abandonei
e fui sonhando outros sonhos
errando outros erros
fingindo a realidade que sempre me negaste"


...dá impressão duma fala em solilóquio, no afã de que quem endereçado tome conhecimento da realidade, de tudo revelado no poema.
Meu abraço caRIOca!

Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 22/08/2023 10:21  Atualizado: 22/08/2023 10:21
Administrador
Usuário desde: 02/10/2021
Localidade:
Mensagens: 588
 rostos do oeste p/ Sergius, Aline e ZeSilveira
.
Caros amigos,
Dão-me uma grande alegria por acompanharem o meu trabalho e trazerem a vossa interpretação tão pessoal para este espaço.
Muito obrigado e um forte abraço para os três!

Enviado por Tópico
Abissal
Publicado: 24/08/2023 23:44  Atualizado: 24/08/2023 23:44
Membro de honra
Usuário desde: 27/10/2021
Localidade:
Mensagens: 642
 Re: rostos do oeste
Um poema para ler e reler,
Com esta tua poesia de excelência, como já nos habituaste.
Destaco , como o José Silveira:
"foi no deslumbramento da revelação
que te abandonei
e fui sonhando outros sonhos
errando outros erros
fingindo a realidade que sempre me negaste"

Parabéns!
Abraço


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 25/08/2023 12:36  Atualizado: 25/08/2023 12:36
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3764
 Re: rostos do oeste/benjamim
olá benjamim

neste poema que explora sentimentos como a memória,a fé em que ambas deverão ser mantidas vivas, como se fossem uma aprendizagem

contrastam.se e ao mesmo tempo completam.se nesta estrofe

"para memória,
basta a dor de que não me quero desfazer
para fé,
basta a que nunca tiveste em mim"


a dor com a fé, é suficiente, mesmo que nunca tenha sido depositada na pessoa(o eu.poetico) consegue.se perceber a complexidade das emoções humanas, como a dor e como a fé podem existir na ausência de crença prévia.

atenciosamente
HC


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 08/10/2023 17:37  Atualizado: 08/10/2023 22:21
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2123
 Re: rostos do oeste
Há no título deste poema uma morada e um plural. Os rostos, como quem partilha algo, e algures.
O oeste como fim, como poente, como início da noite...
Começa este poema com um acto de perdão, sob uma arena versos, hurras, ecos e acção sobre acção em que se revela um primeiro conhecimento e uma distanciação aparente.
Primeira estrofe marcada pelo perdão, então.

Na segunda estrofe surge o fascínio (adoro aqui o verbo perseguir-te) induzido pelas inúmeras camadas que certos "rostos" possuem, a pedirem para ser descobertas, ou apenas e tão só protegendo-se. O pretérito imperfeito do verbo leva o leitor a assumir que a perseguição terminou. E aconteceu o encontro.

A terceira estrofe coloca-nos com um enorme número de versos bem construídos. Não é nada fácil destacar um. O sujeito poético é colocado na pele do admirador, duma forma exponencial. Mas há no seu início um processo de identificação com o objecto de admiração, com o "nós" no primeiro verso e "as criaturas de fim de turno" (magnífico). Um "quem" repetido com mestria, exarcerbando um olhar paciente.
Enche-me de inveja esta estrofe. Quiçá, ciúme.

A estrofe seguinte é uma quebra. Foi encontrada uma ligeira clivagem com o que foi proposto na anterior. A descoberta associada ao deslumbramento e ao que muitas vezes o deslumbramento leva. Ao receio e à fuga, ou ao abandono. E como a vida muitas vezes não se vive inteiramente. "Errando outros erros". Ao menos que fossem os erros certos...

A última estrofe é muito violenta, cheia de uma voz que se ouve, verbo falado com que cerzimos anteriormente a pele.

Para memória...
Para fé...
Mas o pretérito perfeito deixou-me baralhado, como se o nunca tiveste, fosse um passado.

Sem dúvida um dos maiores poemas que já li!

Bendita a tua musa!


Nota: o mais certo é eu ter feito uma interpretação completamente ao lado, mas esta, ninguém ma tira.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/11/2023 13:17  Atualizado: 01/11/2023 13:17
 Re: rostos do oeste
Blasfemo!
Ingrato!
Pedaço de vazio!


Que poema forte!
Gostei da leitura.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/11/2023 11:27  Atualizado: 16/11/2023 11:27
 Re: rostos do oeste
Um dos meus preferidos.
Parabéns!