Poemas : 

fossilizado

 
acho que ontem à noite
andaste, em círculos, à minha volta
numa fechada procura sem sorte.
nada do que foi, resulta,
nada do que foi, revive da morte
que de tão morta já me insulta
o sentido, antes vigoroso e forte.

os outrora doces líquidos
fecharam-me os olhos diluídos
em ténues desencantos definidos.

seria de perdão que precisavas?
seria de brandura que me avisavas?
o que queres está empedernido
em tempo fartamente ido

seria de mão que precisavas?
seria de secura que me avisavas?
sei que só já me restam os cotos...
as mãos caíram-me dos bolsos rotos

acho que ontem à noite
andaste, em círculos, à minha volta.
procuraste de novo o norte
e só encontraste uma bússola torta.

Valdevinoxis


A boa convivência não é uma questão de tolerância.


 
Autor
Valdevinoxis
 
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Enviado por Tópico
Sergius Dizioli
Publicado: 21/07/2023 13:13  Atualizado: 21/07/2023 13:17
Administrador
Usuário desde: 14/08/2018
Localidade: काठमाडौं (Nepal)
Mensagens: 2243
 Re: fossilizado
Que satisfação voltar a ler teus poemas. Quantas vezes os seres arrependidos de nos ter sugado as energias, de nos ter feito mal nos rondam em busca de lenimento à dor que sentem ao reconhecer a falta que causa nossa ausência. Tantas vezes é tarde, face à cura das feridas, sua cicatrização que nos consolida a armadura. Agora porém, sei o que gentilmente responder:
acho que ontem à noite
andaste, em círculos, à minha volta
numa fechada procura sem sorte.

Saudações.


Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 21/07/2023 17:16  Atualizado: 21/07/2023 17:16
Membro de honra
Usuário desde: 24/12/2006
Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3414
Online!
 Re: fossilizado p/ Valdevinoxis
Porquê fossilizado? Acho que para isso ainda te faltam uns bons séculos e só se tudo correr bem é que ficas para recordação arqueológica.
Este monólogo com um suposto ceifeiro descaracteriza o vilão que se alimenta de corpos defuntos, mas também a imagem que se faz dele não será mais que imaginária, um texto bem conseguido, ao teu estilo despreocupado.


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 22/07/2023 10:05  Atualizado: 24/07/2023 15:24
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2123
 Re: fossilizado
Este poema roça o irresistível.
O "fóssil" pode ter um simbolismo engraçado. Assim como o "fantasma".

As aparições têm uma componente passada muito forte.
Mas ao contrário do ectoplama (e, na minha opinião, da alucinação que são (para mim não há fantasmas, só maluquinhos)), os fósseis são vestígios do passado que são estranhos.
E porquê?
Porque em vez de lhes acontecer o que deve ao que é vivo e morre, isto é, entrar em decomposição e alimentar as larvas, por um fenómeno excepcional, mineralizam.
E ficam ali para quem os encontrar, um objecto/prova de existência anterior.

Uma persistência.
Os fósseis, nesse caso, para mim, é que são os verdadeiros fantasmas.

Mas, por vezes, há passados enterrados que ressurgem, que atormentam, que chegam a castigar se deixarmos.
Ter memória tem destes inconvenientes.

Que me parece que é aquilo que falas, neste poema, tão bem feito formalmente e informalmente.

Cotos temos todos...
Com um bocadinho de sorte, não é ao nível do pescoço...

Abraço


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 22/07/2023 15:21  Atualizado: 22/07/2023 15:21
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Localidade: Porto
Mensagens: 3764
 Re: fossilizado / Valdevinoxis
olá Valdevinoxis

"aparição" é o termo que R. Beça escolheu no seu comentário e que eu resgato e pergunto.me: trata.se de um é auto retrato?

bem aparecido e bem re.voltado

atenciosamente
HC


Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 23/07/2023 18:14  Atualizado: 23/07/2023 18:14
Administrador
Usuário desde: 22/11/2018
Localidade: RIO - Brasil
Mensagens: 2220
 Re: fossilizado
.
.
.
Noutro dia, no 'balance' da cadeira de vime da varanda, logo após o crepúsculo, quando o lampião ainda emitia luz fraca e fria, uma magestosa mariposa insistia voar rodiando a cuba de vidro, poucos minutos após, exausta e desidratada, caiu morta no chão ripado, a seguir, fora devorada por uma lagartixa; parece-me que é contumaz esses répteis ficarem a espreita debaixo dos lampiões - não lamentei - vida que segue.
Aquele abraço caRIOca!