Ó louca lua
Desnuda e gélida,
O que me contas
Nesta noite tétrica?
Que um dia
Estes corpos
Mortos e frios
Foram vidas elétricas?
Que estas bocas
Silentes da afasia
Um dia foram
Coro e algaravia?
Ó louca lua
Desnuda e pétrea,
Um dia foste
Lauta e profética!
Inspiraste,
Insana e frenética,
O coração dos ascetas,
Dos abades e dos poetas
E foste o álibi
De todos os criminosos,
Daqueles que buscavam
Em cismas e milagres
O perdão e a eternidade.
Tu me aparecias
Em forma de mulher
Com as vestes rasgadas,
Um seio e o púbis à mostra
Numa solitária estrada
Em que, iníqua, tu brilhavas.
E por mim acompanhada
Nada me dizias
Ou me indagavas,
Apenas o meu leito
Tu corrompias
Na madrugada.
Eu vinha do mar.
Era onde eu te via,
Mas não onde te tinha,
Pois era num lupanar
Em noites frias
Que te possuía
Dos céus despregada.
Ó santa pura e profana,
É por ti que o herege
Peca e exclama!
Tu que dos céus
Preparaste as insídias,
Rasgaste as insígnias
E todos os véus!
E nua, sempre nua
Como uma hetaíra
No firmamento
Da Grécia antiga
Ou noctívaga
E sonâmbula
Nos sofrimento
Dos que amam
Na mais escura treva
Habitada por corvos,
Templos e altares
Em ruínas,
Vagas, deambulas
Por todos os corações
Em festa ou em luto
De quem caminha
Por átrios, câmaras e colunas
Ou dorme debaixo dos viadutos.
Oh, tu que foste
A perversão e o vício
Dos corações apaixonados,
Errantes e perdidos
E te derramaste
Nas noites e vales
De brilhantes catadupas
E telúricos tropismos.
Oh, tu que foste
A breve loucura
No torturado espírito
De todos os arrependidos,
Ó louca, nua,
Impassível e gélida,
Tu me torturas,
Tu me torturas
Há incontáveis eras!