Relendo os antigos alfarrábios
Escritos pelos escribas mais sábios
Que cruzavam desertos em cáfila
De dromedários asiáticos
Lembrei daquele Átila
Conquistador huno
Que, se dizia,
Onde tocavam as patas
Do seu cavalo
A relva não mais nascia
E, num suspiro profundo,
Sorvi o sumo do fruto
Reciclei todo embrulho
Embaixo de uma figueira
E comecei a escrever este monte de besteiras.
Parei no primeiro parágrafo.
Ponto.
Pronto, dois pontos, pontuei.
Pousei a caneta na orelha
Direita
Levantei os olhos para o teto
Namorei uma palavra
Pois as outras não estavam no chão
Dei nomes feios ao arquiteto
Quando percebi bolor e infiltração
Contei as aranhas uma a uma
Nenhuma cabia na composição
Em suma:
Parei com a pontuação.
Veio a noite em veludoso manto
Eu com as duas mãos no queixo
Usando de artifícios, de um pretexto
Para um poema que não fosse tanto
Que tivesse a forma pequena
Que não causasse espanto
Mas quem ousa pegar da pena
Para entrar neste reino fantástico
Necessita ser um pouco de mágico,
De palhaço, de profeta e de patife.
Não venha me lançar num esquife
Nunca me julgue prepotente
Mas tecer um texto muito exige
De quem ousa passar pelo portal
Onde Cérbero é o constante vigia
Onde Virgílio foi, de Dante, o guia
Onde Orfeu, o encantador da lira
Numa cena que a mim sempre aflige,
Por amor, não resistiu e olhou para trás
Deixando-a no reino de Hades, no Estige.
Numa das cenas que Homero nunca disse
Tampouco o profeta hebreu do longo cajado:
Orfeu com o corpo no Rio Hebro jogado...
Ainda ouve-se sua voz cantando: Eurídice! Eurídice!
Mas aonde é que eu estava mesmo?
Fui escrevendo, escrevendo, a esmo...
Como é difícil manter o foco, o rumo!
No começo do poema eu não falava de sumo?
Gyl Ferrys