Textos :
Ictiofobia e Outros Medos(Sketch 5)
Sketch V
Ictiofobia e Outros Medos
A cena se passa na Inglaterra, no ano de 1901.
Cena única
Uma sala de jantar com uma mesa com seis cadeiras, uma janela atrás da cadeira com uma cortina verde, um pouco afastado da mesa uma poltrona. Na mesa vemos uma pessoa chamada Nicholas diante de um prato, um garfo e uma faca. No prato há uma truta. Ele evita olhar para a truta, passa o garfo nela. Sentimos seu medo, ele fecha os olhos, abre, olha para a truta e levanta-se e caminha pelo palco.
Nicholas- Droga! É apenas um peixe! Como posso ter medo de algo tão inofensivo? Mas este medo vem me atingindo há quase cinco anos. (Senta-se na poltrona) - Nenhuma terapia conseguiu tirar meu medo, e nem mesmo posso cogitar de comer um pedacinho. Da última vez tive um acesso histérico de quase meia hora. E como sinto falta da carne macia de um peixe... Ah, tudo começou quando tive aquele susto em uma viagem com um amigo explorador marítimo visitando as ilhas Maurício. Vi cada coisa horrorosa.
Ouve-se passos. No palco entra uma mulher de pele clara, olhos castanhos, cabelos da mesma cor, mas um pouco mais escuro, de alta estatura e usando um laço azul na cabeça. Ela se chama Glória. Ela olha para todos os lados, e vê a cortina verde. Ela se sobressalta e vai para junto de Eric.
Glória(alto)- Quantas vezes já disse para tirar essa cortina verde?! Não sabe que tenho medo da cor verde?! Bloody hell, what a bardy you are, Nicholas!
Nicholas (no mesmo tom) - Ela foi trocada ontem pelo mordomo. Não é minha culpa. Vá reclamar com ele.
Glória- Inferno! (Ela olha para a cortina verde, fecha os olhos e se afasta da poltrona, puxa uma cadeira e senta de costas para a cortina) - Está aqui há muito tempo?
Nicholas- Não. Acabei de chegar. O jantar já estava na mesa. Mas adivinha o que é?
Glória(ri)- Um belo peixinho colhido com o maior amor para aumentar sua Ictiofobia!
Nicholas(sério)- Não é brincadeira. Eu não consigo mais passar em um monte de ruas onde se vende peixes. Praticamente ando com um mapa mental de onde devo ou não devo ir.
Glória(suspira)- Nada posso recriminar, e eu que tenho medo da cor verde?
Nicholas- Sim, e não sabemos até hoje como você tem esse medo.
Glória(nostálgica)- Na escola, era um verdadeiro martírio participar das aulas de Arte, e no dia então de St. Patrick onde todos vestiam-se de verde, eu simplesmente fugia da escola. E também como você eu tenho um mapa mental de onde devo ou não ir.
Nicholas- Sábado passado foi sério quando você viu um homem de casaca verde. Você queria matá-lo. Precisamos realmente te tirar às pressas antes da polícia nos parar.
Glória- E era dos tons que mais odeio. Céus, como a cor verde está em toda parte! Simplesmente meu medo é jogado diante de minha face o tempo todo, todos os dias.
Ouve-se passos. Um rapaz pálido, magro, de cabelos escuros entra em cena. É Theo. Ele caminha pela mesa, mas ao ver os pratos, ele simplesmente se afasta dele. Ele fecha os punhos.
Theo- Por que não se pode trazer nada de bronze ou ferro nessa casa?! Ah, Lord, eu realmente não entendo porque esses malditos criados não se lembram de nada importante.
Glória- Oh, boa noite, Theo, à propósito, estamos aqui falando de nossos medos.
Theo (pega uma cadeira e se aproxima dos dois) - Pelo menos disso eu gosto de falar, vocês sabem o quanto eu odeio também política, esportes, economia, negócios, conversa comum, moda, manias estrangeiras, religião, conversas sobre família, conversas sobre mortos, conversas sobre criados, piadas sexuais, e outras mais. (Senta-se na cadeira).
Glória- Temos que ter uma lista conosco quando for falar com você! (Ri e Nicholas a acompanha).
Theo- Todas essas conversas são sempre iguais, tediosas, e sempre desconfortáveis. Por que não falamos de coisas mais agradáveis como os astros, a lua, o céu, a poesia, o teatro, não o moderno, é claro, e outras tantas belezas?
Nicholas- Porque as pessoas detestam a beleza. Elas sempre detestam tudo que é sublime.
Glória- Ou elas detestam tudo que sai do mundo delas. Você sabe, talvez algum dia haverá uma categoria de pessoas que adoram fazer repetições e serão chamadas por um nome.
Nicholas(resmungando)- Estou com fome.
Glória e Theo se entreolham sorrindo.
Glória e Theo- Coma o peixinho lindo que te espera no prato! Ele vai esfriar, Nick. (Riem bastante).
Nicholas (ainda resmungando) - Não tem graça, eu não fico a zombar de seus medos estúpidos.
Glória- Hum, maybe not, Nicholas. We will never know for sure.
Ouve-se mais uma vez barulho de passos vindo de fora. É Liam. Um rapaz de aproximadamente dezoito anos. Magro, de cabelos ruivos e olhos azuis. Ele vai andando pelo palco e não tem medo do peixe, nem da cortina verde e nem dos pratos, mas ao ver a poltrona em que Nicholas está sentado, ele fecha os olhos e põe a mão no rosto.
Nicholas- Ok, Liam. Dessa vez. Eu tiro a poltrona. Não, melhor, eu vou cobrí-la, está bem?
Liam (Com os olhos vendados) - Tudo bem, Nicholas.
Nicholas se levanta, vai até um armário, pega um lençol e cobre a poltrona, puxa uma cadeira e se senta de frente para Glória e Theo.
Nicholas- Pronto, pode abrir os olhos. Pelo menos não vai ver a poltrona descoberta
Liam (abrindo os olhos lentamente) - Obrigado. (Vai se aproximando dos outros) - Ah, que tédio. Sexta- feira para mim é o pior dia.
Nicholas- Eu também o detesto. Não vejo nada de significativo nele.
Glória- Só vejo o final de semana, o que para mim é indiferente (Olhando para todos. Pausa) - Nossa, faz tempo que não conversamos todos juntos.
Nicholas- Oh, não, Glória, sem pieguices e sentimentalismos.
Glória- Não é sentimentalismo, é uma observação de um fato esquecido há algum tempo. Não acha, Liam?
Liam- Não, eu acho que você realmente está nos fazendo uma crítica por estarmos separados há o que...? Uma semana, no máximo.
Glória(corrigindo)- Uma semana e três dias! Ora, vocês são assim tão distraídos que não se lembram nem mesmo dos dias que passamos longe?
Theo- Eu me lembro das suas reclamações (Theo, Liam e Nicholas riem).
Glória- É, mas do vossos medos vocês não esquecem jamais.
Nicholas (faz uma expressão sóbria) - Não há como esquecer de nossos demônios que navegam em oceanos desconhecidos.
Theo- Glória está sempre nos importunando quando não nos vê por três dias ou menos. Com suas amigas, é pior, pois já conversei com uma.
Glória- Todas mentirosas! Vocês deviam saber disso.
Nicholas (contrariado pela maneira que Glória está se comportando) - Está bem, Glória, mas já lhe aviso. Logo, vou dormir um pouco. Sabe que sempre durmo depois das cinco da tarde.
Theo- E eu vou andar um pouco pelo jardim.
Liam- E eu vou ler algumas cartas que recebi.
Glória- Vocês realmente sabem como me desagradar! E estão cada dia mais reclusos! Parecem velhos!
Nicholas- Velhos medrosos que odeiam algumas coisas simples, é melhor você acrescentar isso.
Liam- Aceite, Glória, conversamos pouco mesmo. Adoramos as conversas curtas e os períodos longos de nenhum diálogo.
Glória- Claro, claro (Vira um pouco e vê a cortina verde e desvia o olhar rapidamente) - Está bem, desta vez então eu vou ficar em meu quarto e nos vemos daqui há dois dias. (Levanta da cadeira, vai saindo e antes de sair dá um tapa na cortina verde).
Nicholas(suspira)- Realmente estou cansado. Vou me deitar. Até mais tarde, Theo e Liam.
Theo e Liam- Até.
Nicholas sai e antes de sair vira o prato com a truta.
Theo- Bom, Liam, eu também estou indo. Nos falamos amanhã. Adeus.
Liam acena um adeus e Theo sai não sem antes deixar um prato cair. Liam fica sozinho em cena, olha para todos os lados, e depois para a poltrona coberta. Ele sai rapidamente. Vemos um homem de mais ou menos 40 anos entrar em cena. Ele se chama Vitorino.
Vitorino (olhando para o prato quebrado e o prato virado) - Sim, meus sobrinhos estiveram aqui. E seus medos ainda não foram embora. É, o melhor a se fazer é continuar conversando sutilmente e esperar que dentro deles o medo se desfaça. (Olha todo o ambiente e sai a passos largos).
O pano desce. Fim
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