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Parto do Poema

 
Sinto-me uma parte da laranja,
Um pedaço de astro destacado
De outros astros, quem se arranja
De forma estranha do outro lado.

Sinto um parto de planta
Ao parir uma semente
Que cai entre pedregulhos,
Entre escórias e entulhos.

É uma dor inconveniente,
Dor de rocha, dor de pano,
De vento varrendo gente
De dor com cor de oceano.

Por vezes eu sinto um dente
Do dia que amanhece sorriso
De pente que penteia cometas;
De peixes em lubricidades com rios.

Pinto o silêncio com tintas
De vidros transparentes
Para que a aparência do som permaneça
E cresça na mina
Da minha cabeça,
Nas cercas brancas
E nas verdes paredes
Da minha mente que mente
E te vende uma verdade
Que foi mentira sempre.

Ria. Mas creia
Que a centelha acesa
Não cresce na mata
Nem em campo de batata
De quem nada semeia
Ou de quem lavra
E rastela castelos na areia.

Assim o poema já nasce torto
Assim o sistema já nasce morto
Um touro mocho no cerrado
Nos topos dos serrados do M
Na semântica manca do verso.

Sinto uma dor de parto de pedra
Nascida na serra, na terra preta
Das alamedas de abetos
Cobertas de teias
Das aranhas caranguejeiras
Fúlgidos flagelos
Das letras negras
Do meu alfabeto,
Das janelas abertas na capoeira.

Meu ventre se parte após o parto,
Após o infarto
E o que tenho
É lume do lenho
Engendrado que é tema
E mistura de amônio e de estrela,
De Antônio e de Estela,
De anjo e demônio,
De estela e esterco
Na natureza besta deste poema.


Gyl Ferrys


Gyl Ferrys

 
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Gyl
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Enviado por Tópico
Sergius Dizioli
Publicado: 09/05/2023 13:29  Atualizado: 09/05/2023 13:31
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Mensagens: 2241
 Re: Parto do Poema
É difícil ser breve ao comentar um poema tão cheio de imagens fazendo o oculto ser de clareza. Mas quero destacar uns pontos que mais me tocaram

Ria. Mas creia
Que a centelha acesa
Não cresce na mata
Nem em campo de batata
De quem nada semeia
Ou de quem lavra
E rastela castelos na areia.


É um primor a forma que diz que só se colhe o que se planta, com destaque ao "campo de batata" pois realça que nem mesmo o mais simples vem de graça.

No mesmo sentido, pensar em quantas vezes engendramos o melhor de nossos esforços para levar luz a lampieros sem pavio, pães sem fermento, músicas sem notas. Quantas vezes na vida as sementes caem em chãos inférteis.

Sinto um parto de planta
Ao parir uma semente
Que cai entre pedregulhos,
Entre escórias e entulhos.


Sinto o poema como uma história de vida, despojada de melindres, mas observadora da crueza possível no dia a dia. Um poema onde rude pode ser melodia. Parabéns meu caro Gyl. Foi disso que falei antes quando disse aprender contigo. Saudações.


Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 10/05/2023 09:09  Atualizado: 10/05/2023 09:09
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 Re: Parto do Poema
Estimado amigo a interpretação que faço do poema é idêntica à do amigo Mr. Sergius, embora mais simples, pois a dele está fantasticamente bem escrita. Li e senti, como são difíceis de aceitar as desarmonias da vida, e as lutas que travamos por nossa condição humana, na busca dum dia de sol, um só que seja.

Um abraço e um óptimo dia.


Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 13/05/2023 16:29  Atualizado: 13/05/2023 16:29
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Mensagens: 3357
 Re: Parto do Poema
Olá meu amigo Gyl,

que saudades ler-te assim neste belo poema

Beijinho

CB