Poemas : 

7 poemas de segunda numa segunda-feira.

 




7 poemas de segunda numa segunda-feira.




da beira mar um aceno
meu medo da gangorra
dum querer além

virei às costas
me afoguei em terra

de tanto procurar
teu último adeus
que as ondas levaram


****************************

já não me culpo
de todo dia querer morrer

culpo-me
apenas por resistir
ao que morreu em mim

desmotivado
apenas cuidando do meu corpo

sobrevivendo
a uma vida tão igual


***************************


tudo que tenho
foi-me dado de graça
até um caminho

há uma senda
que me leva ao objetivo
de uma luz negra
apagada
no fim de qualquer jornada
pra me iluminar

que me fará ser eu mesmo

nem que eu morra
no afã de acendê-la


****************************


um amigo me deu às costas
sem eu nunca dele precisar

talvez porque não desejasse
ter que me encarar

e ouvir
que nem a meu enterro precisaria vir

e nem virá
pois ele já morreu
no diário que incinerei

na borracha que passei na mente
simplesmente
porque à partir do fato
encarei-me pra ver
que só precisava de mim


******************************


por você
sempre fiz bobagem

mas hoje criei coragem
de te matar em mim

assim

ainda farei outras
e por outras enfim

e se não és mais
minha única bobagem

ponha a mão na consciência
dá um breque na demência

eu tô curado
não venha acender o estopim

tá queimado
desde o momento que parti
e tu disseste sim

adeus
por enquanto


***************************


no trem
uma criança pobre
pede um biscoito
a mãe de chinelo de dedo

isso me entristece

pois a política
de um dedo em riste
aponta o quão triste

são todas as estações
em que desembarcam
os olhares de crianças

que nem sabem
da pobreza extrema
de todos
que veem elas descerem

do trem que vai e volta
lotado de esperanças


******************************


o óleo diesel do córrego fétido
parece um arco-íris horizontal
sobre os dejetos da civilização

quanto dói em mim
ver o arco da aliança
tão belo sob as nuvens

imperecível

neste olhar passageiro
de tanta desnatureza
sufocando meu basta

e empurrando-me
a um vale verde
em que eu seria mais humano
sem um plano de fuga


***


Rehgge Camargo
_________________________________


"o poeta absorve, filtra e exala."

 
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RehggeCamargo
 
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Enviado por Tópico
RehggeCamargo
Publicado: 08/05/2023 04:04  Atualizado: 08/05/2023 04:04
Membro de honra
Usuário desde: 04/05/2023
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Mensagens: 321
 Re: 7 poemas de segunda numa segunda-feira.
resgate às minhas origens!

acho que os escrevi em 1998.

Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 08/05/2023 12:40  Atualizado: 08/05/2023 12:40
Administrador
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Localidade: RIO - Brasil
Mensagens: 2226
 Re: 7 poemas de segunda numa segunda-feira.
Sete poemas, como sete goles de café entre prosas, aquelas que a gente costumava ter aqui no Luso por década e meia mais ou menos. Prazer dos 'mais grandes' sabê-lo retornando mais vivaz do que nunca com esse seu dom de poetar, amiguirmão.
Meu abraço caRIOca!


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 08/05/2023 16:12  Atualizado: 08/05/2023 16:12
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
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 Re: 7 poemas de segunda numa segunda-feira.
Fosse em 98 ou agora.
Obrigado pela partilha.

Ps. : bem-(re)vindo


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 14/05/2023 05:17  Atualizado: 25/05/2023 04:09
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2123
 Re: 7 poemas de segunda numa segunda-feira.
Publicar sete poemas no mesmo ficheiro tem algumas desvantagens.
Há “...bobagens...” pelo “...caminho...” que afastarão certas almas mais sensíveis da avaliação de excelente.
As “palavras de ordem” abundam por aqui.
Nota-se no autor um despojamento que roça o prosaico, mas depois vive-se a poesia de intervenção em muitos momentos, verso sim, verso não.
Os “sete poemas de segunda numa segunda-feira” têm essa presunção: de não serem de primeira.
Nisto acho que se falhou, porque pelo menos um puxou-me o comentário, penso.

Como quero me focar apenas num, não irei dizer nada sobre o trocadilho do título dos sete. Dos números ordinais perante um cardinal que me diz bastante, apenas porque nasci num dia sete. Ou do facto de o primeiro dia da semana não ser um primeiro, porque nesse não se trabalha. Chamar ao domingo primeira-feira era engraçado, penso novamente.

Como foi decidido que não teriam títulos individualmente, irei identificar um deles pelo ordinal.

O sexto merece o meu destaque porque andei meio pessoano e deu-me para lembrar o Alberto Caeiro no seu verso “...o melhor do mundo são as crianças...”.
Além de ter sido uma e ainda me considerar uma, há sempre uma promessa em potência, nesses de palmo e meio, que me energiza.
Há uns anos trabalhei directamente com miúdos, naquilo que chamamos de ATL (actividades de tempos livres) e foi uma paixão concretizada que tive, mais tarde, de abandonar.
É verdade que os miúdos podem ser cruéis, mas a hipótese salva-os, se comparados com os adultos. A não crueldade nos adultos é uma escolha consciente.
Os poemas que abordam as assimetrias sociais e assuntos como a miséria, são sempre para ter em conta.

Depois este poema tem versos de inegável beleza. Por exemplo:

“... pois a política
de um dedo em riste
aponta o quão triste

são todas as estações
em que desembarcam
os olhares de crianças...”

As alusões a regimes políticos cheios de ditados no “..riste...” de “...um dedo...” tão sem graça; na rima não forçada; as metáforas da outra estrofe; o absolutismo em vista.

Mas não podiam também fugir uma pitada de lugares comuns que são monstros da escrita poética, que neste poema surge na forma dos dois últimos versos.

A “...esperança...” é mesmo “a última a morrer” e vive guardada na caixa de Pandora.


Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 03/04/2024 14:19  Atualizado: 03/04/2024 14:19
Membro de honra
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Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3416
 Re: 7 poemas de segunda numa segunda-feira. p/ RehggeCamargo
"...a política
de um dedo em riste
aponta o quão triste
são todas as estações
em que desembarcam
os olhares de crianças"

A crítica social que causa tanta dor como a atitude impensada dos que mandam (ou acham que...) é escrita em poesia, daí ser considerada pelos ditadores como subversiva.
Este excerto que retirei da leitura é o resumo dos olhos do poeta. Parabéns