Meu tio, no final da tarde, se dirigia ao centro da quadra coberta do clube de bairro suburbano, que ficava ao lado da sua casa, na verdade, fazia parte da residência, pois era um clube familiar, literalmente, da família.
Levava consigo um reluzente “sax-tenor”, instrumento de sopro com paleta simples e corpo de metal, meticulosamente, polido, com o qual praticava suas escalas e músicas populares. Persistente, repetia escalas durante horas e ao final brindava a todos com um chorinho ou samba-canção.
O mais curioso dessa história familiar, não é o fato de todo o treinamento ocorrer no centro de uma quadra de basquete, nos dias em que não havia jogo, é claro, mas é a companhia inusitada que acompanhava vibrantemente cada nota tocada.
Louro, por mais óbvio que pareça, era o nome de um jovem papagaio de uns 15 anos (segundo estudos papagaios podem viver até 75 anos) que com seu jeito carismático parecia criticar o desempenho do saxofone e por extensão do esforçado músico, pois, a cada nota insistia em taramelar, ou seja, tagarelar emitindo sons aleatórios.
O Louro, um papagaio de plumagem na verde com detalhes em amarelo, foi criado desde bem jovem pelo meu tio, sendo ele a única pessoa da família que merecia seu respeito, conquistado ao custo de várias bananas, bem maduras e sem qualquer mancha, servidas com carinho, a ponto de Louro deixar-se enrolar em uma toalha enquanto apreciava a iguaria, sem qualquer reclamação.
Louro era um crítico severo. Quando gostava daquilo que ouvia, permanecia na cabeceira de cadeira de armar, onde ficava o case do instrumento, balançando a cabeça de um lado para outro, emitindo sons de suave aprovação, mas quando alguma sonoridade não lhe agradava, voava para a estrutura do telhado (apesar de ter as penas das pontas das asas aparadas) e de lá ficava reclamando enquanto sua sensibilidade determinar-se ou até que fosse “subornado” com uma banana “madurinha”.
Essas cenas se repetiram ao longo da vida de ambos, certamente meu tio tornou-se um músico melhor, embora não fosse sua atividade profissional, graças a tão exigente crítico musical. Tais imagens permanecem vivas na minha memória das lembranças da infância no “clube da família”.
"Viver é confrontar o caos no cotidiano,
evitando cair nas armadilhas da depressão."