Poemas : 

DE QUE LONJURAS ?

 
 
 
De que lonjuras terei vindo,
arrastando-me quase sem o perceber
até hoje, até este lugar e momento ?

Cheguei outra vez naquele dia, o tal,
igual a tantos outros que, como ele,
já foram assim, meio cruéis.

Depois, pairei sobre o momento
e vi-me tristemente sózinho,
perdido numa imensidão
de milhentas linhas por escrever,
sem saber se do meu sentir nascerá algo mais
do que essa partícula de vontade
coada pelas oportunidades do instante,
que até aqui me trouxe, vagamente,
por tantos caminhos desiguais
que percorriam praias só minhas,
onde meus passos se registavam
nas formas efémeras da areia
apenas pelo tempo
que o vento demorava
a esconder-lhes os contornos e
os vestígios..

Terão tido significado ?
Ter-se-ão registado nessa outra memória,
mais profunda e mais durátil,
provavelmente mais importante,
que é a das conchas ?
Não sei, mas apenas me devolvem o olhar,
pacificamente, quando as interrogo,
e não encontro respostas.
Creio que me diriam, se soubessem como,
que “apenas passaste por aqui,
a caminho de algum lugar. E, de ti,
apenas podemos dizer-te isso,
que ias !”
Portanto sei isso, que fui,
que estava indo, que vim,
e que cheguei neste outro ( ou mesmo )
instante.

Cheguei outra vez naquele dia,
o tal, igual a tantos outros que, como ele,
já foram assim, meio cruéis.

Pairo sobre o momento
e volto a ver-me tristemente sózinho,
perdido numa outra imensidão de linhas
ainda por escrever.
E percebo que será sempre assim,
um instante feito de frio na barriga
e com a alma retorcendo-se
pouco disposta a ser ignorada
no que canto, se acaso cantar.

Por isso perdem importância, os meus passos,
cantados assim, contados assim…
Serão sempre os mesmos, erráticos,
em buscas por algo mais
que apenas mais palavras de mais um dia,
em mais outro dia e com mais outras palavras,
até que elas porventura ganhem peso, concretude,
e tendam a eternizar-se, misturando-se, confundidas
com a memória mais perene das conchas…Isto
se continuarem a acompanhar-me em deambulações
pelos areais das coisas efémeras
ainda não escritas.

Se assim for, talvez, um dia,
pairando por sobre um outro instante
encontre na memória, mais nuclear ainda, das pérolas
algum resíduo, algo como um eco.
das minhas histórias
escritas nos braços do vento,
quando estava apenas indo e,
de mim, as conchas apenas
pudessem lembrar-se que ia…

 
Autor
Henrique Mendes
 
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