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Tudo porque a fome... A apertar na barriga!

 
Tudo porque a fome... A apertar na barriga!
 
Longe vão os tempos em que as aldeias latejavam de vida. As casas estavam cheias de gente que trabalhava nos campos. Alegres, pois não conheciam outro modo de vida e os seus desejos de ambição resumiam-se às colheitas fartas que assim afastavam o espectro da fome. Mas havia fome, muita fome! Estou a falar de um tempo antigo, do qual ouvia histórias de sardinhas divididas por três, de côdeas de broa untadas com banha a servir de manteiga, de castanhas piladas cozidas quando as batatas já se haviam acabado e de refeições em que a malga era só uma e se colocava no meio da mesa (quando havia mesa e no caso de não haver, de roda do bordo da fogueira, ao borralho), onde a família comia em silêncio depois de dar graças ao divino por mais aquela refeição... o silêncio da refeição não se devia ao não terem que dizer, mas sim ao tempo que perderiam se ocupassem a boca com palavras em vez de mastigar o quinhão que lhes cabia. As batatas eram cozidas com a pele por via de não desperdiçar nada. A broa, muitas das vezes, mesmo dura, era o único conduto que havia.
As crianças pequenas (canalha) eram deixadas na rua todo o santo dia, entregues a elas próprias, enquanto os pais e os irmãos mais velhos cuidavam do renovo e das colheitas nos sítios onde tinham as calhadas e as calhadas lá tão longe!
Certa vez, contava o meu pai, numa tarde em que a fome começava a apertar, convenceu o amigo de brincadeiras a escalar a parede do velho casebre de pedra onde o mesmo morava e se sabia estar pendurado, no alto da trave, o cesto das sardinhas trazidas na véspera, do mercado de Côja. Haveriam de durar quinze dias, não tivessem lá ido eles pesca-las e tratar de as assar nas brasas da fogueira. Tudo porque a fome... A apertar na barriga!
De uma valente tareia, não se safou o amigo à noite... Mas que importou isso se se regalaram os dois e ambos ficaram com a história da aventura vivida, para contar aos filhos e aos netos, se bem que estes últimos tenham tido dificuldades em acreditar, visto que nada lhes falta e não sabem o que significa a palavra "miséria" nem as suas consequências.

Cleo


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/04/2023 17:08  Atualizado: 21/04/2023 17:08
 Tierra sin pan
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Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 30/04/2023 17:19  Atualizado: 30/04/2023 17:21
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 Re: Tudo porque a fome... A apertar na barriga!
Eram também as histórias que contavam os mais velhos na aldeia onde nasci e, ainda no meu tempo havia muita miséria, tanta criança descalça e passando mal, os homens metiam-se na taberna para esquecer as agruras do dia a dia e muito desavinham-se com a mulher ao chegar a casa, recordo bem tudo isso, tive a sorte de nascer numa família remediada, que juntava à mesa sempre mais uma criança necessitada. No fundo as crianças eram felizes ainda hoje nos juntamos e recordamos certas cenas passadas nos rimos, pois todos conseguimos dar a volta à vida. Adorei ler teu texto, tenho alguns semelhantes e fico sempre comovida com essa realidade que ainda acompanhámos.

Um abraço