Poemas : 

declaração de rendimentos

 
falhos ao largo
mas em dívida
com o mais ínfimo
que certa lente arbitrária
decanta e bemoliza

e devolve
em botões de murta
e votos de boa viagem

 
Autor
Benjamin Pó
 
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Enviado por Tópico
Aline Lima
Publicado: 12/04/2023 16:01  Atualizado: 12/04/2023 16:01
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 Re: declaração de rendimentos
Gostei do tema.
Me fez pensar em que tributo nos restaria sem essa tal lente arbitrária...


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 14/04/2023 18:00  Atualizado: 14/04/2023 18:00
Usuário desde: 06/06/2012
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Mensagens: 5848
 Re: declaração de rendimentos
e se se usar a velha balança, sempre haverá a decepção pela existência do débito... a constatação de que mais se recebeu do que se contribuiu, apesar de que o arfar de viver levará sempre a entender que se foi explorado demais e se existir restituição a monta será pouca... (divaguei?)

Grata, Benjamin!


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 28/05/2023 07:35  Atualizado: 02/06/2023 04:03
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 Re: declaração de rendimentos
Estou a ver que há uma moeda a circular.
O título mais parece uma tarefa para um técnico oficial de contas, vulgarmente chamado de contabilista.
A minha filha entrou este ano para o ensino secundário e escolheu a área (era assim chamado no meu tempo) de Economia e Gestão. O irmão tinha seguido Ciências, ela fugiu a sete ou mais pés de Biologia.
Deu-me para felicitá-la e tentei explicar-lhe que a filosofia do dinheiro (a tal Economia) está em tudo o que mexe. Trabalho não lhe vai faltar. Espero.
Se o título fosse Declaração de Amor iam chover comentários.
Assim faço eu a chuva. A dançar.

Engraçado que na palavra “...Declaração...” composta por prefixação e sufixação, o prefixo geralmente determina fecho, ou fim. O De.
Contudo Declarar é um tornar mais clara. E não menos.

Os rendimentos que declaramos geralmente servem para fazer uma aquisição. Caso não tenhamos o capital disponível em conta. É uma forma que a empresa que fornece o capital determinar se somos pessoas de bem, isto é, capazes devolver com juros esse capital que tão benevolentemente nos facultaram.
Sim, como nos Impostos, o sobre o “...Rendimento...” Singular (vulgo IRS) também o nosso estado quer que o demos. Se bem que, com tudo em rede e feito por inteligência artificial, bem podiam eles ir procurar.
Até para impressionar aquela pessoa que levamos a jantar temos de ter alguma forma de o declarar. No restaurante que escolhemos, no que pedimos que nos sirvam, na gorjeta que damos no final. No carro que conduzimos, no cheiro do carro, no local da casa onde moramos, na mobília do quarto, nos quadros pendurados na parede ou no tecto.

A moeda. A única língua que todos sabem falar.
Eu vou excluir a bitcoin, que isso eu não falo.

Haja espaço para a riqueza interior, por favor.
Mas acho que o sujeito poético prega-nos uma partida logo na terceira palavra do título.
A polissemia é um dos factores de risco que mais gosto. Ou figuras de estilo, embora goste mais de chamar de ambiguidade (e elas tenham ligeiras diferenças).
Pelas definições que decidi ir ler ao Priberam, uma delas chocou-me.
Rendimento como submissão, relativo ao acto de se render.
Quase se poderia intitular “Declarimento de rendição”. Ou não.

O primeiro verso começa logo com um adjectivo que é uma conversão do verbo falhar.
Ou do nome falha. O uso do masculino dá uma troca de sabor. Os falhos são o grosso do povo. Partindo do princípio que os restantes são os superiores. Que temos de ter a noção de que são muito poucos.
É nos superiores que se concentra a moeda e o poder. Infelizmente. Vamos lhes dar o mérito, seguindo o princípio da idoneidade.

É nesses falhos que também surgem os poemas. Os superiores abominam a poesia. Ou não são.

Mas depois lendo a primeira estrofe com menos pausas há uma crítica à construção da “...dìvida...”.

A dívida, andei a ler há uns meses num livro chamado A Geneologia da Moral é um dos pilares emocionais para o Homem dividir o bom do mau, não esperem, o bem do mal.
Segundo o autor, é isso que fizemos ou nos fizeram que associado à memória contribui para, além doutros factores, termos a moral que temos. E o rancor.

“O diabo está nos detalhes”.
E se no quadro geral geralmente fechamos os olhos ao que se deve; é no pormenor que se faz o pormaior.
A “...dívida...” vê-se em pequenos números, numa folha de papel.
Gosto do verbo decantar. Faz-me lembrar música.
Por graça dá para misturar dois quase termos musicais num verso só deste poema cheio de força e aço:
“... decanta e bemoliza...”
Bemol é um sinal gráfico numa pauta. Baixa meio tom.

Filtrar e suavizar é o que essa “...lente...”, nada lenta (a não ser no que lhe convém) faz, segundo o sujeito poético.

Da primeira para segunda estrofe, mais pequena, há a conclusão.
Aos rendimentos submetidos, há sempre algum retorno.

A simplicidade dos botões de murta também tem um lado simbólico que fui ver a deus.
Os ditos tem função adstringente. Isto é, o seu sabor provoca a sensação de contracção na boca.
Além de parco contributo ainda nos fere. Talvez alimente.

No último verso, também coloca a palavra “...votos...” na cabeça do leitor.
Braço secreto no ar.
É um facto que é assim que elegemos as “lentes”. Como mais ou menos consciência. Ou memória.
A viagem é sempre uma grande metáfora para o ir vivendo.

Sempre complexos e enigmáticos estes poemas que nos mandas, que tanto podem falar do IRS como ser uma crítica feroz ao capitalismo,
ou apenas sobre a fragilidade das pessoas e dos estados\países.