Coisas que nos fazem viajar no tempo e voltar aos lugares onde pertencemos e onde vivem as nossas memórias de outras vidas... As tamancas nos pés da minha avó, que, em passitos curtos e ligeiros, caminhavam sobre os penedos lisos da calçada, antes das escadas de cimento que vieram depois. A panela de ferro com tantas estórias guardadas, contadas à mesma lareira onde fervia o caldo das couves. O saquito de pano, onde se guardavam os feijões, o grão de bico, a broa... Os tamancos com atacadores de guita - o mesmo material que me lembro de ver a servir de cinto nas calças do meu avô - era o calçado dos homens mais afortunados, porque os outros andariam descalços... O garrafão de palha onde se levava o vinho para alegrar as sementeiras e empurrar a bucha. O candeeiro que alumiava a noite quando o dia se acabava. Os serões a debulhar o milho ou os feijões, alegrados pelas cantigas ou as estórias de bruxas e lobisomens, que havia sempre na boca de alguém com jeito para as contar e nos encantar. Tudo isso se foi, mas ficaram os objectos, calados, gritando tudo isto em silêncios sepulcrais.
Cleo