Contos : 

Eis a história verdadeira:

 
Eis a história verdadeira: a mulher encostou a faca à barriga mais do que o habitual após um longo grito (que para a vizinhança era só mais um entre outros tantos), ficou apenas o cabo da faca de fora.

A mulher morreu como quem varre a estrada num segundo. Por sorte ele nasceu, o filho que ela trazia no ventre. Falaram em milagres e bruxedos mas o médico disse que foi graças ao rápido socorro.
Os vizinhos pasmaram a loucura da mulher que todas as noites saía à rua em camisa de dormir para dar a volta ao quarteirão e regressar a casa. Todos as noites cumpria o visto, como o canino que tem de vir fazer a necessidade na rua.
A mulher estava tola, deviam-na internar já que ninguém em estado psiquico normal sai à rua de camisa de dormir e andar pela casa falando sózinha.
Só os loucos é que não dormem, só os loucos chamam a atenção com gritos desesperados.
Só os loucos falam com as ervas e com as árvores. Era o que acontecia com esta mulher que se matou num gesto laico. Ninguém lhe conhecia a voz, os gritos sim, todos conheciam os gritos dela, que por serem vários imaginavam-na possuída pelo demónio.
As pessoas sabem que os demónios entram nos corpos das pessoas e usam-nas para ofender a deus.

Mas o demónio está cada vez mais ganhando terreno. Ainda no outro dia, ao da rua que vai dar à papelaria se matou também. Mas este atirou-se ao rio. Dizem que ele rezou pelo caminho e que levou uma nossa senhora para lhe ajudar no acto de se atirar. As coisas que as pessoas dizem assusta as crianças. São coisas que nos acompanham desde sempre, desde que o homem tomou a noção do que era o céu.

A morte é a única que não traz encargos. Mata-se e pronto. Mas com esta mulher os arrepios de quem a viu ser transportada na maca foi diferente. Pois ela não ia morrer sózinha. Levava um filho para a mesma sepultura, um ser que apenas viu a luz do dia pelo golpe da faca. Cinco cêntimetros se tanto.

A tristeza nestes casos é comum, chora-se até desligar o interruptor da felicidade. Quem vê alguém morrer tem obrigatoriamente que se entristecer. Quem está a cantar no momento da morte de alguém tem de se calar. Vestir um luto interiormente.
A mulher espetou a faca algures entre o sexo e o peito e ninguém sabe por que o fez. Só por amor é que a deliquência se nos atravessa. Só ele é responsável e dá forças para o crime.

A história é simples: antes da vida veio a morte. Por sorte o menino nasceu. Faz amanhã quinze anos e já tem uma rapariga para beijar.
O rapaz perguntou ao médico por que é que a sua mãe morrera e ele respondeu com um encolher de ombros.
Um dia, o rapaz levantou uns tacos do soalho do chão e viu uma série de cartas. Nunca se chegou a saber o que as cartas diziam mesmo, nem isso nunca levantou suspeita, já que o rapaz, logo após a sua leitura (e de ter deitado lume nelas), espetou uma faca no peito.
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
Luis F
Publicado: 06/05/2008 12:17  Atualizado: 06/05/2008 12:17
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 Re: Eis a história verdadeira:
Amigo Flávio

Um belo conto, uma bela história e a pedir continuação neste estilo de escrita.

Um abraço
Luis

Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 06/05/2008 17:39  Atualizado: 06/05/2008 17:39
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 Re: Eis a história verdadeira:
Eram os dois doidos...

Não mostres a carta, não quero ler!

Beijos

Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 06/05/2008 20:00  Atualizado: 06/05/2008 20:00
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 Re: Eis a história verdadeira:
Tal mãe... tal filho...

Bem escrito. Resta-me uma dúvida... afinal a mulher espetou a faca na barriga ou no peito?

Bjs


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 06/05/2008 21:07  Atualizado: 06/05/2008 21:07
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 Eis a história verdadeira: para o flavio
Gostei. Excepcionalmente bem escrito como tudo o que escreves. Li o teu livro de um trago mas não deixo de vir aquia companhar o que nos ofereces.

Beijo em ti*

Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 06/05/2008 21:26  Atualizado: 06/05/2008 21:26
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 Re: Eis a história verdadeira:
FLávio a vida, as pessoas, nós os seres humanos,
somos uns bichos esquisitos, cada coisa que a
gente fica sabendo, histórias de arrepiar e vai
se explicar. Adorei a leitura. Beijos!