"O actor acende a boca. Depois, os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O c toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
(...)
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto acctor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em ação de estrela.
Ação de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomima.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça."
Herberto Helder, em Poemacto III
Dia Mundial do Teatro.
Zita Viegas