Poemas : 

carta-poema, um anúncio

 
hoje

terrivelmente penso em suicidar-me

uma dose de veneno

acrescentada a um copo de conhaque ainda que vagabundo não faria mal

seria um gole só

e rápido porque os suicidas são breves

eu olharia minha mulher no quarto

e não lhe daria o beijo frio dos mortos precoces

peço aos amigos que não façam velório

e nem comentem que fui bom

angariei muitos inimigos na vida

viajei pouco

bebi e fumei demais

ao final

deixo os livros publicados e não publicados

o pouco testamento que tenho

um par de mão feitos pra colher estrelas e adeuses

não me acendam velas em torno do caixão

o defunto - eu - pode se incomodar

nem deixem algodão nas minhas narinas

fui moço bonito

tive vaidade

saí na noite beijei bocas que não devia

mas hoje pontualmente meus amigos devo me matar

será uma morte sóbria

não ligarei o gás

pode acordar minha mulher

não cortarei os pulsos

dói muito

nem me atirarei deste 7° andar

o pavor pela altura vem da infância

e posso acordar meu pai

que morreu faz tempo

chamem os bêbados

é possível que me abençoem

me digam um poema de vinícius

drummond

ou torga

ana cristina - meu grande amor que eu não conheci-

hilda hilst

álvaro alves de faria

não me acordem

declamem um poema de amor de mel de carvalho

alguma coisa agressiva de ferreira gullar

acordem a portela com sua bateria

acordem a brisa do rio pra que eu possa respirar

digam a todas as musas que tive que o culpado fui eu

não mandem lembranças e nem flores

não peçam missa nem nada

digam só que um vagabundo dormiu em paz

________________

júlio


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
flavio silver
Publicado: 06/05/2008 12:54  Atualizado: 06/05/2008 12:54
Colaborador
Usuário desde: 24/09/2007
Localidade: barcelos
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 Re: carta-poema, um anúncio
goste deste seu poema em tom de confesso.
está numa boa linha.
estamos aí!
um abraço.