hoje
terrivelmente penso em suicidar-me
uma dose de veneno
acrescentada a um copo de conhaque ainda que vagabundo não faria mal
seria um gole só
e rápido porque os suicidas são breves
eu olharia minha mulher no quarto
e não lhe daria o beijo frio dos mortos precoces
peço aos amigos que não façam velório
e nem comentem que fui bom
angariei muitos inimigos na vida
viajei pouco
bebi e fumei demais
ao final
deixo os livros publicados e não publicados
o pouco testamento que tenho
um par de mão feitos pra colher estrelas e adeuses
não me acendam velas em torno do caixão
o defunto - eu - pode se incomodar
nem deixem algodão nas minhas narinas
fui moço bonito
tive vaidade
saí na noite beijei bocas que não devia
mas hoje pontualmente meus amigos devo me matar
será uma morte sóbria
não ligarei o gás
pode acordar minha mulher
não cortarei os pulsos
dói muito
nem me atirarei deste 7° andar
o pavor pela altura vem da infância
e posso acordar meu pai
que morreu faz tempo
chamem os bêbados
é possível que me abençoem
me digam um poema de vinícius
drummond
ou torga
ana cristina - meu grande amor que eu não conheci-
hilda hilst
álvaro alves de faria
não me acordem
declamem um poema de amor de mel de carvalho
alguma coisa agressiva de ferreira gullar
acordem a portela com sua bateria
acordem a brisa do rio pra que eu possa respirar
digam a todas as musas que tive que o culpado fui eu
não mandem lembranças e nem flores
não peçam missa nem nada
digam só que um vagabundo dormiu em paz
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júlio
Júlio Saraiva