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Amargo demais

 
Encarar o passado é navegar no rio turvo que nos afronta
Sonhar mas não dormir sob sussurros inquietos dos astros
Um árido deserto o qual disputam lagartos e rosas bravas
E qual papel estás preparado a desempenhar? A ave solta
Entre nuvens brancas no céu? O capitão de mão de ferro
Um rei enforcado no jardim? A montanha lá longe do mar
Em verdade podes olhar a sujeira que o espelho te revela?
O passado é a fome tanta que até os vermes já morreram
O resto no prato vazio e que apraz às invencíveis baratas
O passado é o açoite, centos lábios em gritos e grunhidos
A mais plena solidão, sem porquês, até se duvida de Deus
Eis que a fumaça dos incensos ora é a fumaça de canhão
Conheces o presente? Cheiras ou percebes esse amargor?
Nem assim olhas a sombra às tuas costas, o que há por vir
O que pode dar ao desenlace e cobra uma cifra sangrenta
Será que buscas em tuas axilas um voo qual o do condor?
Nenhum bálsamo sabe apagar o sofrimento que te fustiga
Olha para a frente, lá é o presente: risos, gestos e acenos
Esquece o passado, esquece a chaga traçada na tua pele
São os efeitos de feitiço forjado por esses verbos inúteis
O passado são dentes sujos de cáries e amarelos de sarro
É o vômito espesso, do excremento ao temor e do sangue
O passado é a mulher - menina afogada pelo sêmen brutal
É o guri sem futuro estripado ao pé dos muros da cidade
O passado não move moinhos e nem o ponteiro das horas
O passado se move fermentado de visões só na tua pupila



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Autor
Sergius Dizioli
 
Texto
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Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 22/03/2023 10:20  Atualizado: 22/03/2023 10:20
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: Amargo demais
Será, por certo, tudo isso que este teu magistral poema encerra. Ainda assim, gosto de navegar nas águas paradas do passado... Costumo ir lá resgatar ao fundo desse mar morto, pedaços de lembranças a que dou uma nova vida e as penduro na corda do meu estendal a secar...

Beijinhos