Quem haveria de dizer naquela altura, quando o meu pai comprou no mercado de Côja um limoeiro e o foi plantar na calhada da "poça da figueira", no Sandinho, por ser mais soalheira e não lhe faltar água porque a poça ali mesmo ao lado e mesmo que se deixasse de cultivar lá se haveria de ir deitar uma pinga de água ao limoeiro. Mas quem lá ía amiúde a deixar de ir e a calhada a ficar de relva como as outras quase todas em volta, mesmo a do Ti Zé Ramos das Luadas que noutro tempo por ali andava mais a mulher, ora a tratar das ovelhas que tinha no curral do lado de cima do caminho ora a cavar e destorroar a terra do chão grande e das calhadas mais pequenas ao pé. Parecia uma família dado a quantidade de gente que ali costumava passar grande parte do tempo das suas vidas em virtude de ser preciso amanhar os bocaditos de terra que lhes enchiam a casa por alturas de recolher o que a mesma dava. Batatas, milho, feijões, erva para o gado, azeitona, maçãs e laranjas, figos tão bons!... Aos poucos e tirando o cuidado das videiras por causa dos cachitos das uvas doces e madurinhas, tão valiosas para dar grau ao vinho que ainda se teimava em fazer, já poucos se encontravam quando se lá ía. Á porta dos currais já não se parava a dar a salvação a ninguém porque os currais já sem ovelhas nenhumas. Na Benfeita, de vez em quando o sino a tocar badaladas tristes ao entardecer e nós a sabermos logo que havia morrido mais alguém. E assim foram deixando de aparecer naquele "Sandinho" e nos outros "Sandinhos" das outras aldeias.
Certa ocasião eu a chegar com um carrego de limões às costas e a encontrar o Ti Lopes já ali no caminho da "levada da fonte" e ele a ficar todo contente por me ver, porque, creio eu, a lembrar-se de tempos lá mais recuados, em que, para além de mim, ali se encontrava gente com fartura de cestas à cabeça ou sacos de sarapilheira pelas costas e sacholas ou ancinhos e enxadas ao ombro a irem ou a virem de qualquer lado e a demorarem-se um pouco em breves e reconfortantes convívios ocasionais por conta das novidades ou das dores de cada qual. Despedindo-se com um "até logo" e lá seguindo cada um nos seus cuidados. E naquele dia só nós os dois ali a conversarmos um bocadinho. Ele a lembrar-se de quando podia bem ainda e tratavam da fazenda que tinham na "Moenda", onde, tirando o ser muito mais longe do povo que o "Sandinho", não era muito diferente no resto. E ainda do tempo em que a ganhar o sustento da família na dureza das "Minas da Panasqueira"...
Dizia eu, quem haveria de dizer que passados mais de quarenta anos e apesar do fogo que tudo lambeu, o limoeiro a resistir e por lá continuar a dar limões grandes e amarelinhos mas tão difíceis de apanhar porque o sítio a ficar mais longe a cada ano e já nem caminhos nem pernas para lá irem ver deles.
Cleo
PS - Na foto o Ti Lopes ao pé da Ti Conceição, numa suave tarde de Abril do ano de 2014. Estas são duas das "minhas" pessoas, por quem tenho imensa estima.
O Ti Lopes faleceu ontem e esta é a minha singela homenagem em sua memória.