Na pequena divisão a que chamavam cozinha, a fogueira a tremeluzir por baixo da trempe, onde, sentada, a panela do caldo em fervuras de vapores que se escapuliam pela fresta do testo e se sumiam nos ares... Junto ao lume, descansava o corpo fustigado do trabalho rude de mais um dia igual a todos os outros que a sina lhe ditou. As mãos calejadas e o rosto envelhecido a denunciar uma idade que ainda não tinha, contudo, conformado com a realidade de assim ter de ser porque nem sempre a vida se preocupa com as razões sem escolhas. Visto que já assim fora com o seu pai e antes com o seu avô e todos os outros que lhe antecederam sem escolherem... Ali perto, o vislumbre de uma figura feminina a tomar conta do lume e da panela do caldo. Talvez a mãe. Talvez viúva. Talvez ele seja o único filho de um rebanho de cinco ou seis que por ali foi ficando enquanto foi assistindo, uma a uma, à partida dos irmãos em busca de outras vidas que não aquela. Quase sempre há um que fica... Dali a pouco o caldo estará pronto e ambos terão uma malga no colo que sorverão em silêncio porque é em silêncio que as almas simples conversam.
Cleo