Quando as nuvens passam e o céu é feito do azul cobalto
É sinal que nova chuva vem, o sol é só memória no poente
O eco meramente repete as mentiras que do vento ouviu
Ideia de futuros provisórios natos e findos em mausoléus
Há poucas coisas tão ensurdecedoras quanto é o silêncio
O poeta é resistência que não vai calar rasgando-se livros
Como mago, salva palavras em afronta à usual servilidade
Tatuando-as na lembrança, à esquiva de ímpias tradições
Nada aqui ou além, imóvel qual a pedra aceirada pelo rio
Assim ilude os algozes, oculta seus dentes entre a bruma
Desde as mais longínquas primícias, estava lá a oposição
Sempre fugaz fazendo o inventário de vantagens quistas
Toma lá, dá cá rumorejam ocultados detrás dos biombos
No mais, esperneios pueris desviam olhares de suas redes
Fica para trás dessa rápida investida, só o chão crestado
Um povo destruído pela intempérie, há tanto anunciada
Jacentes e esquecidos são os invisíveis aos olhos nobres
Dois brinquedos que flutuaram sobre a lama da omissão
Sinalizam famílias extinguidas, o fim das fábulas infantis
Homens de pudor incorpóreo de promessas incumpridas
Resta o odor acre da terra, o pasmo, o fervor sem fruto
O sol a burlar o cinza faz brotar a parede pintada a lápis
Emergem da lama escorrida em meio a outros destroços
Com a certeza de crianças que já nasceram moribundas
Serão lembradas entre lágrimas quando nova chuva vier
Ao poeta munido de sua pena, obriga recriar nos versos
O grito dos que não puderam gritar, qual fosse vinga-los
Evitar àqueles que, anos a fio insolidários, vistam louros
Façam-se protagonistas salvadores do mal que causaram
Olvidando que esse sangue derramado é do seu descaso
Mais um verão findo e almas soluçarão entre as árvores
A poesia impedirá esquece-los: são vítimas da corrupção
Mais uma tragédia anunciada se repete, desta vez na Barra do Sahy no litoral norte de SP. Prefeitos que agora querem posar de salvadores, foram omissos ano após ano incompetentes face aos avisos do risco ou pior coniventes apesar deles em nome da "solidariedade" aos tubarões da construção que ocupam (mostrando sua gratidão em sítios e triplex) as melhores áreas do município. Ao trabalhador restam as encostas, o risco e a morte.