" Minha querida irmã, desejo que esta carta te vá encontrar de saúde, bem como à nossa irmã Olímpia, que eu por cá vou andando, na forma do costume..." - Era assim que começavam as cartas que me ditava aos domingos, sentada ao meu lado, com os cotovelos apoiados na mesa enquanto pensava na frase seguinte. As notícias, quase sempre as mesmas, giravam em volta de uma dorzita aqui e ali, do tempo de sol ou de chuva, das encomendas que o Ti Américo Peras levava ou trazia e das misérias ou farturas que a terra dava conforme a seca ou a geada fora de tempo. A prima Augusta, era uma daquelas velhinhas simpáticas e sempre a sorrir, que me povoavam os dias de então. A sua casa, na mesma rua da da minha avó e por onde eu passava amiúde, toda ela de pedra e que me parecia enorme por dentro derivado à ausência de forro que deixava as telhas e os buracos entre as mesmas, a descoberto. Logo a seguir à porta, era preciso subir uma dezena de degraus altos, de madeira, ao cimo dos quais uma divisão ampla, onde uma mesa com um banco corrido e duas ou três cadeiras carunchadas; uma janelita de onde se avistavam os quintais verdejantes e parte das casas da aldeia. A um canto, uma bacia de esmalte, um balde por baixo, um espelhito pendurado, uma toalha igualmente pendurada e um jarro ao lado, era tudo o que precisava para se lavar a cara e as mãos antes de comer. Logo ao pé, uma sacada para a rua por onde se assomava bastantes vezes, porque gente a toda a hora a conversar ou a passar com molhos de qualquer coisa às costas ou mulheres de cestas à cabeça que se encontravam e ali ficavam que tempos a conversar sobre isto e aquilo, sobre tudo e nada... A canalha ao final do dia, no regresso da escola, sempre com diabruras e aos pinotes a brincar e a encher, também ela, aquela rua de vida! Do lado de baixo, um jardinzito onde lírios roxos no meio de ervas altas, a lembrarem tempos mais viçosos ainda, mas dos quais não tenho memória. No fim da carta escrita, uma guloseima na palma da minha mão e um sorriso agradecido a enternecerem o instante, que, só a esta distância e pensando agora, não o sabia de tanta importância como a que realmente tinha. Naquele tempo, ser analfabeto era uma coisa que se encarava com uma certa normalidade. Não fora a precisão de se mandar uma carta a alguém ou de ler a resposta... quase que nem se precisava de saber ler ou escrever...!
Cleo
PS. A rua e a casa, com a janela sacada, de que falo no meu texto.