O poema está no cio
Esperando ser gestado
Introduza um vocábulo,
Por entre o ventre vazio,
Que terás um dicionário.
Quem irá fecunda-lo?
Quem irá percebe-lo?
Desenroles o novelo
Que terás vocabulário.
E será tempo de festa
Na espera deste filho
Será ele recebido
Com carinho merecido?
E o fruto temporão
Pela mão será eterno
No papel, suor paterno
Na labuta pelo pão.
E o poema será lido
Se estiveres só num quarto
Sentirás o desabafo
Pois quem faz um poema
Está salvando um afogado*.
Um poema é poema
Só quando poema lido
Mesmo que pelo inimigo
Mesmo que fora do tema.
Mesmo um meta-poema,
(Que diria o UmaV ?)
Tem direito de nascer
Não há nisso um problema.
E será rio de risos
Se espremendo entres os dentes
Uma banda dos contentes**
Combatentes em delírios.
E o poema irá crescido
Vadiando no universo
Sem saber que os seus versos
Vai além do infinito.
Nascerá sem ter um fim
Com louvor ou impropérios
Independe de Rogérios'
De Ricardos ou Benjamins.
Nascerá em vários cantos
Na Sibéria ou Portugal
Filho meu, da Mary Santos,
Do Odair ou do Abissal.
O poema descoberto
Sem cueiro ou avental
Não carrega em si o mal
Nem poema do Alberto.
O poema natimorto
Ou poema problema
Não importa o esquema
Só importa o retorno.
Poema só não é poema
Quando estado em dicionário.
E tu trouxestes as chaves?***
Esperas tu um corolário?
E o poema vem bebê
Vem até de pé quebrado
Vem mamando em dicionário
Para mais forte crescer
Um poema vem beber
Cheio de cacofonia
Isento de poesia
No crescer do dia a dia
Pra tentar sobreviver.
E virá filho de luz
Sem temer os comentários
Dos escribas literários
Do céu branco entre os azuis.
O poema está no cio
Use a pena que puder
Pois a pena é o pênis
E o papel é a... mulher!
Gyl Ferrys
* Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Mario Quintana
** Álbum de Erasmos Carlos, de 1976.
*** Procura da Poesia, Poema de Carlos Drummond de Andrade