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As viúvas de antanho

 
As viúvas de antanho
 
No tempo em que me criei, havia sempre uma velhinha sentada num banco a um canto da cozinha de qualquer casa onde entrasse. Geralmente com a minha mãe quando íamos a passar na rua e alguém nos chamava por um motivo qualquer, para dar algum recado, para ler uma carta, para levar alguma coisa ou simplesmente para fazer uma visita num domingo à tarde que era quando havia mais vagar...
Vestidas de preto porque ou eram viúvas ou estariam de luto por alguém chegado e da família. Um lenço na cabeça a tapar o carrapito preso com ganchos de arame. De avental à frente da saia por causa de a poupar à sujidade, mas também porque a aba do avental a servir para as cascas das ervilhas ou das favas quando era tempo delas, dos feijões louros para a sopa ou dos secos para arrumar na arca. Elas estavam ali sentadas por já não poderem andar, mas ajudavam naquilo que podiam visto que o trabalho chegava para todos e até ainda sobrava em certas alturas do ano.
De maneira que as conheci a bem dizer a todas, sentadas num banco mocho, a um canto das cozinhas, se de inverno junto à lareira ou ao fogão de ferro, conforme os casos. A minha avó era uma dessas velhinhas que me lembro de ter conhecido e partilhado consigo belos e inesquecíveis pedaços de tempo, entre gargalhadas e histórias que me contava, no bordo da sua fogueira, junto ao lume que ela tanto gostava de fazer e ver a crepitar - Ah, que boa fogueirola esta que aqui temos! - E nisto dava uma sonora gargalhada a denunciar a sua alegria contagiante que me levava a sentir o mesmo.
A Ti Hermínia igualmente sentada na cozinhazita da sua casa, talvez entretido a descascar alguma coisa, enquanto a nora Esmeralda a tratar do amanho do milho no chão grande da Ribeira e o filho Tonecas, na sua faina de fazer colheres de pau, ali mesmo, por detrás do portão do pátio mesmo em frente da porta de casa.
Também me lembro da sua irmã (da qual me não recorda o nome), também ela sentada num banco em frente do fogão a lenha por causa do estupor do frio... enquanto a prima Lucinda, sua filha, a fazer a sopa. E o genro António(o alfaiate como era conhecido) na sua oficina de alfaiate mais o neto Brasílio, numa faina imparável de tesouras, linhas e agulhas. Sempre que ali passava na rua, mesmo por baixo do varandim, lá estava a máquina a trabalhar e a cortar o silêncio da mudez das agulhas e linhas quando cosiam à mão. Aos domingos, ainda o sol tão longe de nascer e eles já a abalarem com a carrinha atacada de coisas que vendiam a quem delas precisava - colchas, cobertores, lençois, toalhas, etc, etc... - mais os fatos que lhes haviam encomendado, alguns já prontos e outros alinhavados para fazerem as provas, a caminho das aldeias perdidas nos montes e vales da serra. Hoje, a tão badalada Serra do Açôr.
Nas Luadas era a mesma coisa. Uma vez a tia Albertina levou-me a conhecer as suas amigas. De modo que, cortámos ali para um becozito por cima da rua onde ela morava e fomos dar com uma mão cheia delas sentadas nas soleiras das suas portas, de pernas estendidas ao sol com os pés descalços...
Fizeram-nos uma festa!

Cleo


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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