Amarroto a folha onde a vida se atreve a escrever na imprecisão acesa, interveniente e intrusa numa linguagem inóspita e destrutiva o caminho a percorrer, respiro fundo e rumo à descoberta da bússola na liberdade, endireito a proa do meu barco e velejo em águas agitadas, até encontrar meu farol, meu porto, meu cais, meu abrigo.
Ouço a música da ventania e sinto o mistério crescer, como crescem as árvores no campo, como cresce o ventre de uma gestante, ouço os passos do silêncio rasgar um sussurro e sinto o cheiro do incenso a queimar no altar, ouço o respirar de um gesto no leito imaculado, sinto o choro da minha criança interior e sinto a alegria perfumar o solo sagrado do meu mais profundo alento.
Guardo em mim o toque da alvorada a irromper na profundidade da essência e busco o hálito de uma oração para abençoar a perfeição na espera.
Como um coro de vozes a elevar a brandura dentro de toda a leveza, sinto o som do canto virginal dos pássaros num obediente chilrear como que a escutar a linguagem materna no sopro leve da brisa a embalar num ritmo envolvente, como se mergulhasse os quereres numa vontade única.
Escuto os raios de sol irromperem por entre a neblina matinal, e ouço a voz do silêncio beber dos meus lábios a sensatez das palavras, num encontro misericordioso, a beber o perdão em gratidão.
O que encontro eu afinal?
Encontro os dias refeitos numa nova página escrita, como se a melodia ali tocada, ecoasse para além do firmamento e bordasse no olhar, o novo nascimento da esperança, e vou, vou como quem voa e plana, como quem recebe seu galardão, como fruto da comunhão.
Alice Vaz de Barros
Alice Vaz De Barros