"Em breve voltaremos a ver-nos"
Gatafunhavas no teu caderno de capa preta montes de epitáfios na esperança de um dia veres um escrito na tua lápide, confesso-te um pouco mórbido. Tinhas sublinhado esse depois de me perguntares a opinião e de eu acenar afirmativamente com a cabeça, apesar de premeditar um regresso pouco esperado era concerteza dos menos mórbidos que escreveras.
Na frente da tua campa choro encostava a um monte de rosas brancas murchas.
Porquê?
Porque sim!
Quando a morte chega nós já estamos vestidos com a nossa melhor roupa para a receber.
Recordo-te!
O cabelo empastamado de gel, o fato cinzento ligeiramente curto nas mangas,
a gravata preta bem apertada, o corpo imóvel, os olhos fechados, os sapatos de verniz
que o teu pai te oferecera e que nunca chegaras a calçar.
Pela primeira vez soube-te quieto
e essa quietude, ao contrário de tantas outras vezes, não era desejada.
Porquê?
Porque sim!
Esta pergunta faz tanto sentido como aquela que te fiz quando festejavas o teu décimo quarto aniversário. Eu fui a convidada mais bem vestida, ou pelo menos aquela que mais chamou a atenção, o meu vestido aos quadrados vermelhos e amarelos não me deixava passar despercebida. Quando todos já se tinham ido embora e depois de ter assistido à briga que tiveras com o Zeca por causa do último biscoito de laranja, perguntei-te: "Porque gostas de biscoitos de laranja?" e tu respondeste com as faces rosadas e as mãos atrás das costas: "Porque sim!" e eu acreditei na tua resposta e tomei-a como a minha única certeza. Afinal quer a pergunta como a resposta não fazem o mínimo sentido.
Eu choro,
Tu choras,
Ele chora,
Nós choramos,
Vós chorais,
Eles choram.
Eu chorarei,
tu chorarás,
ele chorará,
nós choraremos,
vós chorareis,
eles chorarão
para sempre a tua morte!
"Quando morrer não quero marchas fúnebres, quero risos e sorrisos", apenas consegui realizar metade deste teu desejo meu anjo, a segunda parte pareceu-me impossível visto não conseguir silenciar a dor que habitava os corações dos que como eu te amavam.
Lembraste do dia em que completei quinze anos? Chegaste à minha beira com as mãos atrás das costas e abriste a boca para falar mas nenhuma palavra conseguiste proferir, ficaste vermelho, depois azul, até que me atiraste com uma rosa branca e desataste a fugir. Hoje meu anjo sou eu que te atiro uma rosa branca, ao contrário da tua esta não terá um destino tão feliz, não terá umas mãos para a receber e em breve murchará como todas estas rosas brancas que agora seguram as minhas lágrimas.
Sento-me na tua campa e passo a mão pelo teu rosto, se tu soubesses que para mim sempre foste mais do que um menino de pensamentos mórbidos e tristeza no olhar, se tu conseguisses ler o epitáfio que te pintei na lápide. Não! Não é aquele que tinhas sublinhado no teu caderno de capa preta nem nenhum dos outros que lá escreveste.
Sempre pensei em ti como o menino envergonhado, o menino tímido mas o menino dos gestos perfeitos e das minhas únicas certezas. Por isso na tua lápide pode ler-se:
"Porquê?
Porque Sim!"
* este texto é uma homenagem ao meu melhor amigo
que infelizmente nunca conseguiu ler o epitáfio que lhe pintei na lápide,
logo ele que sempre adorou a palavra "epitáfio".
em silêncio chegam o choro e a falta!
. façam de conta que eu não estive cá .