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Bolsonaro ou o homem que queria ser Trump
artigo retirado do Economist ...
O homem que queria ser Trump
Ganhando ou perdendo, Jair Bolsonaro representa uma ameaça à democracia brasileira
Todos os sinais são de que ele vai perder uma eleição e dizer que ganhou
Joe Biden estava falando sobre os Estados Unidos quando alertou, em 1º de setembro, que “a democracia não pode sobreviver quando um lado acredita que há apenas dois resultados em uma eleição: ou vencem ou foram roubados”. Ele poderia estar falando sobre o Brasil.
No próximo mês, seu presidente, Jair Bolsonaro, enfrenta uma eleição que todas as pesquisas dizem que ele provavelmente perderá. Ele diz que aceitará o resultado se for “limpa e transparente”, o que será. O sistema de votação eletrônica do Brasil é bem administrado e difícil de adulterar. Mas aqui está o problema: Bolsonaro continua dizendo que as pesquisas estão erradas e que ele está a caminho de vencer. Ele continua insinuando, também, que a eleição pode de alguma forma ser manipulada contra ele. Ele não oferece nenhuma evidência confiável, mas muitos de seus apoiadores acreditam nele. Ele parece estar lançando as bases retóricas para denunciar a fraude eleitoral e negar o veredicto dos eleitores. Os brasileiros temem que ele possa incitar uma insurreição, talvez como a que os EUA sofreram quando uma multidão de apoiadores de Donald Trump invadiu o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 – ou talvez até pior.
Uma razão para se preocupar que Bolsonaro possa tomar emprestada uma página da cartilha sem princípios de Trump é que ele já fez isso antes. Ele semeia a divisão: o outro lado não é apenas errado, mas mau. Ele descarta as críticas como "fake news". Seus instintos são tão autoritários quanto os de Trump: ele expressa nostalgia sobre os dias do regime militar no Brasil. Um de seus filhos, que também é um de seus conselheiros mais próximos, aplaudiu abertamente os manifestantes do Capitólio. Bolsonaro foi um dos últimos líderes mundiais a aceitar que Biden havia vencido.
Bolsonaro, anteriormente um deputado chato de boca suja, foi eleito presidente em 2018 em uma onda de fúria anti-establishment. Para realizar essa façanha improvável, ele aprendeu truques com outro outsider desbocado e amplamente subestimado. O mais importante deles foi o uso habilidoso e mentiroso das mídias sociais. Ele continua sendo o mestre incontestável do Brasil nisso e, assim, convenceu seus partidários de duas coisas. Primeiro, que se ele perder, é prova de que a votação foi injusta. Segundo, que uma vitória de seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, entregaria o Brasil ao diabo. Na realidade paralela que Bolsonaro construiu, um presidente Lula fecharia igrejas brasileiras, transformaria o país em um narcoestado e incentivaria meninos a usar vestidos.
Isso não faz sentido. Lula é um esquerdista pragmático e foi um presidente bastante bem-sucedido entre 2003 e 2010. Impulsionado pelo boom das commodities, sua presidência foi um período de aumento da renda e uma grande expansão do estado de bem-estar social. O boom entrou em colapso depois que ele deixou o cargo, e sua sucessora e protegida, Dilma Rousseff, sofreu impeachment em meio a um vasto escândalo de corrupção que remonta há anos. O próprio Lula foi considerado culpado de aceitar suborno, embora suas condenações tenham sido anuladas posteriormente e ele negue irregularidades. Em suma, ele está longe de ser o candidato ideal, mas está dentro do normal – e é um defensor da democracia.
Bolsonaro, por instinto, não o é. Ele pode operar dentro de um sistema democrático, mas está constantemente procurando maneiras de escapar de suas amarras. E a preocupação é que o sistema que o contém seja menos robusto do que aquele que restringiu Trump. É inconcebível que os militares americanos sejam cúmplices de um golpe, mas o último regime militar do Brasil terminou só em 1985. O exército está profundamente enraizado no governo e questionou o sistema de votação. O país está fervilhando em conversas sobre um possível golpe.
Provavelmente não vai acontecer, mas algum tipo de insurreição pode haver. Bolsonaro incita rotineiramente a violência. (É difícil saber de outra forma interpretar frases como “Vamos metralhar … simpatizantes do PT.”) Mais de 45 políticos foram assassinados nos primeiros seis meses de 2022. Os seguidores de Bolsonaro estão melhor armados do que nunca: desde que ele tomou posse e ampliou brechas no controle de armas, o número de armas em mãos privadas dobrou para 2 milhões. Se o tribunal eleitoral do Brasil anunciar que Lula venceu, bolsonaristas armados podem atacar o tribunal. A questão então é de que lado as forças policiais militares, com quase 400.000 homens ao todo, que deveriam manter a ordem, ficariam. Eles atiram fácil e gostam de Bolsonaro, que propôs uma lei de proteção para policiais que matam suspeitos. Alguns podem se mostrar mais leais a ele do que à Constituição brasileira. Se houver caos nas ruas, Bolsonaro pode invocar poderes de emergência para adiar a entrega do poder.
Assim, ele representa uma ameaça tão grande para a maior democracia da América Latina quanto para a maior floresta tropical do mundo. (Em seu mandato, o corte e queima da Amazônia ocorreu 70% mais rápido do que antes, porque ele não faz quase nada para deter a destruiçao.) E, aconteça o que acontecer, ele e seu movimento não vão embora. Ele aprendeu com Trump como extrair influência e poder das garras da derrota.
Quando candidatos normais perdem eleições, seus partidos tendem a trocá-los por alguém novo. Quando Trump perdeu, por outro lado, ele disse a seus principais apoiadores que eles haviam sido roubados e transformou essa Grande Mentira em um grito de guerra. Ela une seu movimento e mantém o Partido Republicano estrangulado em suas garras: dificilmente alguém que a nega pode ganhar uma primária republicana. A mesma Grande Mentira pode fazer de Bolsonaro o político de oposição mais influente do Brasil. Sua base – cristãos evangélicos, proprietários de armas e moradores da zona rural que se sentem excessivamente regulados e vulneráveis a invasões de terras – podem ficar com ele, convencidos de que ele é o legítimo presidente do Brasil. Seus apoiadores no legislativo e nos estados podem prejudicar a capacidade de Lula de governar. O Brasil pode ficar cada vez mais dividido.
Nada a perder, exceto suas motosserras
O melhor resultado seria Bolsonaro perder por uma margem tão ampla que ele não possa alegar plausivelmente ter vencido, seja no primeiro turno em 2 de outubro, ou (mais provavelmente) em um segundo turno em 30 de outubro. Serão algumas semanas tensas e perigosas. Outros países deveriam apoiar publicamente a democracia brasileira, e discretamente deixar claro para os militares brasileiros que qualquer coisa parecida com um golpe transformaria o Brasil em um pária. Os eleitores brasileiros devem resistir à atração de um populista sem vergonha. Eles, e seu país, merecem coisa melhor
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