Passou por mim um herói, lembro-me, desses que vão adiando o fim do mundo. Um fim cada vez mais próximo espelhado no medo e na insegurança dos tempos e nos olhos que não olham para ninguém.
Perdi-me por aí numa estação qualquer e faltam-me os teus passos para me encontrar depois do frio deste inverno.
Chove, como nunca vi chover nas nossas tardes de domingo naquele jardim suspenso onde nos eaquecemos de olhar, onde abdicamos de ser.
É tarde e passou mais um comboio pelo apeadeiro, carruagens de tanta gente que passa também, que já não tenho quem abraçar, em tantos destinos desertos.
O fim do mundo está próximo, vejo-o nos rostos marcados a medo pela insegurança dos tempos, estampado nos olhos que não olham para ninguém com receio de verem e serem vistos.
Passou por mim como um gigante, vinha no meio de tanta gente indiferente, trazia um sorriso gratuito a servir de farol, e dos braços emanava calor até às mãos, como se fossem estações de conforto onde os comboios faziam paragem.
Instantes vazios, senti-me perdido com o frio do inverno inteiro para te encontrar, com um balão de oxigénio nas mãos para o ar que respiras a eclodir do peito.
É a fotossíntese entregue a fábricas e chaminés de labor a acinzentar o azul do céu e com o fim do mundo aqui tão perto, até me custa respirar.
São momentos assim que fazem um homem sentir-se caído, como um grão de areia no chão que pisas, perdido, à deriva atrás dos teus passos para se encontrar e erguer-se novamente para o mundo, antes do fim.
Passou por mim um herói, desses que vão adiando o fim do mundo. Lembro-me.
Viver é sair para a rua de manhã, aprender a amar e à noite voltar para casa.