Os silêncios terríveis da noite, da qual se substancia
Entre a ampla quietude, minh'insônia é a substância
Que me recordará do que fiz, o que deixei por fazer
Espelhando em mim o timbre incômodo de angústia
Exibindo os irreparáveis cadáveres do meu passado
Nenhum do que foi feito, mas do que restou a fazer
Poderia ser tão diferente noutra dimensão ou tempo
Noutra vida algures, em que mortos ainda são vivos
Na loucura de conjecturar porque prá lá, não prá cá
O que seria irmos acima e não abaixo, o sim ou não
O que seria se o poema fosse feito de outras frases
Haveria outro hoje se tivesse existido outro ontem?
Na noite dos terríveis silêncios, a falsidade incomoda
Vivemos no curso da vida a ilusão do tempo-espaço
No decorrer dos dias não guardamos as lições, mas
Apenas tolices cruas desse acervo de quinquilharias
Que não nos torna primores ou evita o frio do medo
Só a poesia, tola anciã, nos dará anoréxica salvação
Os versos do poema, o lado desconhecido da cidade
Nada nos pertence, nosso é o ar sob o véu da noite