1. Afinal, agora, são drones
De lança, espada, a pé, a cavalo,
andam em cada guerra no intervalo;
carabina, canhões e nas trincheiras
matam-se, e morrem, doutras maneiras.
De tanque sem roupa, vem um estalo;
de aviões e suicidas, tem-se calo.
Bombas atómicas, cidades inteiras,
Americanos e as suas asneiras.
Agora virão os drones, bombas porcas,
senhores a carregar o botão do comando,
que já não enlameiam as suas botas.
E o cavalo de há cem anos, sem mando,
a morte cheia de parafusos e porcas,
sangue igual ao de todos os idiotas...
2. Mitos
Nenhuma guerra tem a verdade,
todas têm apenas apenas vencidos,
mortos e feridos, de toda a idade,
não há verdade, só lados feridos.
Toda a guerra é mortalidade,
mentiras que contamos sofridos;
e dor, miséria, dura realidade.
E nada é real, duplos sentidos.
É o pior do pior na defesa
de ideais, com mais ou menos razão.
Perguntem às famílias dos mortos.
Desde 2014 com esta incerteza,
sob balas, sob medo, sob vil canhão,
todos os barcos vão, sem ter portos...
3. poema do deixar
deixem cair uma bomba ali junto aos meus pais
e outra, por um drone mandado, junto aos tios;
todas as comandadas têm os mesmos assobios
deixem cair uma, e outra, e outra ainda, mais
de morte adiada somos todos iguais e desiguais,
ainda que nos enchamos de ouros, terras e brios
vãos, dos mais polutos, infames, aos mais pios;
soe nascer, crescer, viver, morrer, estátuas carnais
onde houver chão, há cama, mas também guerra.
depende do homem de má ou de boa vontade,
independentemente do que se possa dizer, pensar;
os machados são para a terra,
o amar o próximo é a verdade
para a paz manter, ou alcançar...
4. Bom
Bom era poder as armas baixar
com elas limpar o chão, vassoura,
as balas, bombas todas encravar,
dedicar as armas todas à lavoura.
Bom mesmo era poder até deixar
de escrever sonetos, a salmoura
salgar outros motes, sem salgar.
E os sonetos da guerra que agoura.
Bom era a paz e muito amor, sexo;
bons os beijos nas irmãs e irmãos.
Bom era o silêncio, uma ode ao amor.
A liberdade de escolher o sem nexo,
nunca mais sujar de sangue as mãos.
As armar baixar, com fogo e ardor.
5. Arruar
Ruir devia ser coisa de rua,
da calçada, do pó, do alcatrão.
Da alma, dos poemas, é que não.
A ruína devia ser só na lua.
Até na lua alma haver, nua,
despida de fel, de ódio, e do trovão.
Se na lua houver alguma emoção,
acabe de ruir o que continua.
Mas é o que tudo o que começa,
no fim ao cabo e o tudo merece:
que acabe!
Arruinados, na paz, sem pressa.
Tudo rui, tudo desaparece.
Esquecendo, finge-se que não se sabe...
6. a Marte até ao fim ou, até que se me acabem os Ares
Levantei mais outra máscara uma
do chão do pinhal cheio de caruma
e enterrei, no seu lugar, só lodo
feito de lágrimas e de sangue, todo...
Correm os dias, como espuma
duma maré de balas que se esfuma.
Falta tinta na pena, deste modo,
perco a tesão, até quando fodo.
Como se guerra fosse ar, ou O Pão
nosso-de-cada-dia-nos-dai-hoje...
E eu fosse foragido do nada.
Quando uivo, gano como um cão,
será que ela me ouve e foge?
Máscara que vives desmascarada...
7. Escaras em Estalinegrado
Estava ruço de tanto roçar
na roça; sem roceiro roceirar
(uma demência perto do louro)
as cãs vivas, as rugas no couro.
Estava ruço, ao velho, a entrar;
sem os filhos, sem netos, sem par:
o tempo mais breve, o vindouro
jazia num leito branco, a soro...
Estava ruço, cheio de remorso,
olhando, sem ver, as searas
e cheiro a pólvora e esturro.
Estava, ele, russo sem dorso
sentindo a dor das escaras
dos outros. Como um asno, burro.
8. Para uma aldeia da Crimeia
Estou farto de ver ucranianos à frente,
estou farto, mesmo muito farto, desta gente.
Eles que voltem, depressa para a sua aldeia,
de preferência, uma das da Crimeia.
Estou cheio da populaça triste, que se sente;
de refugiadas no Intendente.
Que sorriam, ao mais, de boca cheia
de sorrisos. Que sorrisos falsos venham à veia.
Estou farto de ucranianas, ucranianos
a povoarem os apartamentos vazios,
a trabalharem nos empregos que ninguém quer...
Estou farto de presidentes. E seus enganos.
Farto de países doentes, antes sadios.
Vão para a vossa terra, ide para lá viver!
9. Balada da Bandeira Branca
Já chega, peço por favor, já basta...
Um povo sombrio que se arrasta,
implora uma pausa sem ironia;
amarra, sem causa, a poesia.
Rendidos a uma força nefasta
de dez para uma ainda casta,
que se defendeu como podia,
morrendo, matando, no dia-a-dia.
Já chega! veem de baixo a bandeira
ao alto, sem vento, que se abana,
se humilha, pálida se rende.
Rosa de sangue, de luto se estende,
é a marca do Homem que se dana,
repete, do asno cego, a asneira.
10. Palmas e palmos
Sete palmos acima o sol brilha,
o luar, à noite, é armadilha;
sete palmos acima a ave canta,
o mar marulha, o vento levanta...
Sete palmos acima fervilha,
queima, açoita, cresce, maravilha...
Sete palmos acima adianta;
e a noite é curta, e tanta.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete
palmos que me separam da Terra,
ainda que de terra viva cheio...
Há uma promessa que se promete,
que se quebra nos horrores da guerra:
o fim, para o que ia a meio
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.
Estes sonetos foram feitos com a colaboração do meu outro eu, o cheiramázedo.
Como devem estar recordados, ele só sabe comentar na forma de soneto e anda muito activo, com esta história da guerra.
Era bom que não houvessem mais...
Esta merda já está na parte dois, alguém anda a foder isto da paz....
Um título interessante de um autor que aprecio:
"Paz traz paz" de Afonso Cruz
(parece às três pancadas, mas não é, cabrão!)