Corro por entre a névoa purgada das chaminés dessas centrais nucleares que nos permitem respirar (por tubos, seja bem compreendido), por entre fósseis daquilo que alguém um dia ousou chamar de flores, seres inanimados que emanam mais essência que um simples olhar.
Como gosto de ouvir as histórias absolutamente extraordinárias que os velhos inventam sobre essas flores, que tinham cores e cheiros, que encantavam mulheres e enfeitavam casas. Disparates saudáveis que os mantêm vivos e entretidos, mas enfim, as nossas vidas são feitas de ficção, a realidade é tudo aquilo que definha em frente destes olhos desgastados pelas poeiras que se levantam pela manhã.
E tu que não paras de me olhar, esse olhar que não sei se considere malícia ou sorriso, o único que sempre te conheci.
As árvores olham para mim e tomam formas de sonhos, segredam-me histórias de outros tempos, lendas de quando atingiram a maior idade e começaram a lembrar-se do passado, a vislumbrar as estonteantes maravilhas que a Primavera lhes trazia, o alegre chilrear dos pássaros para atraírem as parceiras, o rezingão zumbir das abelhas que fecundavam a vida na azáfama de extrair o valioso e suculento pólen das viçosas flores.
As árvores viram a cidade crescer e aprenderam os nomes de todos os que por lá vivem, e daqueles que com saudade já partiram. A sua fiel companhia são e sempre foram, as pedras dos muros velhos do castelo, as que ainda resistem, são mais que livros, são lendárias enciclopédias de um mundo que se perdeu.
O vento, sorrateiro, traz-lhes memórias de outras paragens de outras pedras guardiãs de outros castelos que pernoitam pelo mundo. As batalhas, os amores, a morte de tantos que à sua sombra se renderam, são apenas minúsculas páginas de um teimoso alfarrábio sem fim.
Estas frondosas e belas árvores de que vos falo, enormizam-se perante a esquelética horda humana que as decepa e queima como que a ocultar um crime, quando o crime maior é tirar-lhes a vida, os pássaros, as abelhas... as pedras do castelo.
Sou saudosista por encontrar no que é velho tudo aquilo que os novos nunca terão. Vida a sério, histórias para contar.
Os meus lábios tropeçam na língua dormente e envergonhada. Suicido-me com as minhas próprias palavras, com as contradições que fazem parte do meu quotidiano, mas só assim consigo viver, ser, olhar, julgar.
A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma