Prosas Poéticas : 

A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão do Meu Maior Crime (Parte IV)

 
Olho em redor e não reconheço nada que tenha feito, se calhar por isso mesmo... nunca fiz nada que ficasse para depois apreciar, ou se o fiz dei a alguém ou perdi, como tudo nesta ressaca de vida.
Ainda se ao menos tu me quisesses fazer feliz! Mas como? Nem sabes o que sinto por ti... e vejo que também não te interesso muito, senão até me dirias qualquer coisita, ou não?
Serás assim tão parecida comigo que até aí nos amamos?
Um de nós, tem de desbloquear esta situação. Ou tu, a rosa que floresce todos os dias no meu pensamento, ou eu... o parvo do costume!
Um de nós, sim! Talvez o melhor é que seja eu, estou tão habituado a levar com os pés. Mas e depois? Se for mais uma vez rejeitado como é que me aguento?
Ajuda-me nesta minha culpa, suaviza-me a tristeza do teu não.
Os passos apressados na velha calçada disforme calam o silêncio e interrompem conversas banais, daquelas que só podemos ter nas esquinas, em noites que não sejam de Lua cheia. Invade-me as narinas o cheiro nauseabundo da pobreza que habita o meu mundo perdido.
Sinto-me invasor no meu próprio espaço, em todos os cantinhos que ocupo, cabisbaixo de ar arrogante e mesquinho, uma amostra de gente que espelha tudo o que me rodeia e que faz de mim o que sou. Consumo letras de jornais velhos, quase tão gastas quanto as minhas rugas, mas cheias de histórias que embora não pretendam também são minhas.
Tento fugir a esta escravidão, ao olhar culpabilizante de quem passa e me ignora, à mão que me dá comer e me chicoteia, ao amigo que se diz irmão e atraiçoa. Quero-me vingar, mas não consigo, mais uma vez a vergonha, aquela igual à das palavras que não te consigo dizer.
Escondo-me em mim, só para não me ver, para não me envergonhar tanto.
A tremedeira que sinto nas pernas engrandece ao passo que leio as notícias actuais dos vespertinos, mortes e mais mortes, um dia chegará a minha vez. Sarcástico este mundo em que nos dispersamos, dá-nos de comer e depois espera que apodreçamos para nos comer a nós. Quanto mal lhe fazemos, quanta cobiça alimentamos.
Da minha parte, como parte de uma raça dominante, que já nada domina, destruo o que posso, mesmo que seja pelo consumo que faço das palavras que escrevo ou que ouço dizer.
Temos tanto ou mais que a simples metade que aproveitamos, o resto é isso mesmo... resto!
E olhas-me assim!


A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma

 
Autor
Alemtagus
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1362
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
13 pontos
13
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 01/05/2008 22:43  Atualizado: 01/05/2008 22:43
Membro de honra
Usuário desde: 04/07/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3422
 Re: A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d...
Tens que ser tu, poeta,
a desbloquear a situação...

Continuas a escrever como
nos habituaste, bem!

Parabéns

beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/05/2008 23:02  Atualizado: 01/05/2008 23:02
 Re: A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d...
Alemtagus,

Cartas com endereço incerto são mágicas, por que podem ser escritas para uma pessoa, paras todas as pessoas que com elas se identifiquem ou até mesmos serem para ninguém; apenas ecos dos pensares e/ou sentires do escritor.Fazes dessas cartas textos que todos gostam de ler e acho que deverias continuar e um dia as tornares um livro.
Tenho um amigo poeta que escreveu uns quatro ou cinco textos intitulados: Poema Para Linda I e assim por diante.Quando parou foi uma grita do mulherio para que ele torna-se as escrever e já nem lembro hoje em que número está a Saga de Linda.
Qualquer que seja teu motivo, que continues com as cartas que são belas e vivas!
Bjins, Betha.


Enviado por Tópico
Valdevinoxis
Publicado: 02/05/2008 00:03  Atualizado: 02/05/2008 00:03
Administrador
Usuário desde: 27/10/2006
Localidade: Aguiar, Viana do Alentejo
Mensagens: 2118
 Re: A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d...
Bem, esta sequência de cartas é um filão que podia ser explorado ad eternum. Não está em causa a escrita mas o prolongamento indefinido destes textos, embora belos, torna-se um pouco vazio de conteúdo.
Se me é permitida a opinião, podias integrá-los numa história/romance mais abrangente. Parece-me que poderia resultar numa, muito boa, obra.

Valdevinoxis


Enviado por Tópico
ângelaLugo
Publicado: 02/05/2008 01:22  Atualizado: 02/05/2008 01:22
Colaborador
Usuário desde: 04/09/2006
Localidade: São Paulo - Brasil
Mensagens: 14852
 Re: A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d...
Querido poeta

Acredito que esta tua carta seja
de desabafo...Como sempre é bem
construído seu texto...
A parte que mais me marcou foi esta

"Sarcástico este mundo em que nos dispersamos, dá-nos de comer e depois espera que apodreçamos para nos comer a nós. Quanto mal lhe fazemos, quanta cobiça alimentamos."

Beijo no coração


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 02/05/2008 10:22  Atualizado: 02/05/2008 10:22
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d... para o Al
=) Excelente carta!

Um beijo em ti*

E essas tremedeiras de que falas são reais e não, não temas uma morte ou uma vida, seja lá o que isso significar.

Se fechares os olhos verás que te pego ao colo.




Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 02/05/2008 10:43  Atualizado: 02/05/2008 10:43
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão d... para o Al(*)
Ah e mais uma vez deixo-te isto

http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=36148


Beijo em ti
Gosto-te!

* tinha-me esquecido;