É a nova a que hesita
que treme não descontente;
como cana ao vento vacila,
é a nova a que credita
suave e tão abertamente
e no olhar, olha intranquila.
É a velha a que decide,
nunca se fecha ou duvida,
velho carvalho de floresta.
É a velha, embora duvide,
nunca mostra essa lida
inda que não passe de giesta.
É a nova a que nova se ri,
riso franco que toca quase tudo;
e com um grito esse tudo imola.
É a nova a que pouco sabe de si
e de si faz eterno estudo,
e do mundo inteiro faz escola.
É a velha a que só ensina,
tem livros gastos sob o braço
e é levada (leva-se), muito a sério.
Já perdeu o ar de menina
há tanto e tanto passo,
e com embaraço perdeu o mistério.
É a nova a velhinha insegura
que pede ajuda a amigos e desconhecidos
e oferece, sem medo, a sua.
É a nova a mais pura,
sem lagos poluídos
que a si mesma se continua.
É a velha a sabida e nova
que sabe os provérbios todos de cor
e ao pé da letra, todos segue.
Que a cada esquina, vê os pés para a cova
e em seu redor
não tem quem lho negue.
É a nova de ar inquieto,
armadura de penas e papelotes,
de bisnaga cheia de veneno para bebés.
Não engana a nova o velho, mais discreto,
tem a nova a alma cheia de lingotes,
o futuro aos seus pés.
É a velha a história do costume,
aforismo com a casa às costas
como caracol ou lenta tartaruga,
e a nova com, de lebre, o lume
ainda não sabe as velhas respostas
que vêm, em cada ruga.
Não há nelas luz de erro,
cada uma traz no lombo a sua cruz,
corpo, alma, história.
Nenhuma delas quer, procura enterro,
ambas correm em contraluz
a um lugar qualquer na memória.
E eu, que nem novo nem velho vou,
quem enfim me acho?
Qual a morada em que moro?
Uma colagem em papel pardo, das duas, sou
sem remetente nem despacho
que intermitente(mente) ignoro.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.