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Rogério Beça | Publicado: 26/02/2022 05:16 Atualizado: 26/02/2022 05:19 |
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Re: Retrato
De tempos a tempo surgem enormidades na página desta autora. A regularidade pode ser trabalhada, mas não é assim tão irregular, na minha opinião.
Quando começamos na leitura o sujeito poético começa por nos ludibriar logo no título. Antigamente, um retrato era uma fotografia de busto. Tiravam-nos retratos para a caderneta da escola. Engraçado que “tirar” fotografias é uma acção de remoção. Como tirar um dente. Mas dão-nos, pelo menos antes uma folha de papel fotográfico com a imagem. A auto-imagem ou a imagem doutrém. De quem será este retrato, então? Ler. A primeira imagem (será um retrato?) vem no primeiro verso que vai percorrendo os restantes dois: “Correm-me as lágrimas\Como um rio\A lavar a saudade...” A corrida é um movimento rápido, mas as “...lágrimas...” não caem em câmara lenta. O rio é uma bela personificação. Como o Homem, ele nasce, tem um caminho e morre. A comparação como figura de estilo está bem feita. Geralmente uso pouco, tento transformá-las em metáforas. O choro é uma forma artesanal de lidar com a dor, neste caso a da “saudade” ou da falta. Apesar de ser um pouco cliché, não deixa de ter uma forte dose poética. Os dois versos seguintes têm mais um enigma. Porque parece que a codificação da linguagem e do mote, é um dado adquirido neste poema, “...Cristalino é o sol lá fora\E nada vejo!...”. A cegueira, neste caso, não se encontra no exterior do sujeito poético. O cristal é um vidro de enorme qualidade e pureza. Há transparência, mas uma opacidade também. Os últimos 4 versos da primeira estrofe são duma lógica absurda. Partem de uma incapacidade do sujeito poético, assumida. Assume que é incapaz de dar liberdade. E há um certo remorso perceptível. Na segunda estrofe o “...pouco tenho para te dar...” coloca uma segunda personagem em cena pela segunda vez. Há uma ligação à primeira estrofe muito bem conseguida com “um grito\Cego...” que confirma a incapacidade de ver o sol de cima. Interessante a quebra de verso em Cego e ser apenas uma palavra que está em maiúscula. Nãosei se foi coincidência mas se fiquei na dúvida foi de génio. Na terceira estrofe o retrato muda de figura. Retrato vem do verbo retratar, que pode dar em retratação, ou pedido de desculpas. Perdemos então todas as imagens, todas as selfies, pois não é disso (de egoísmo) que fala o sujeito poético. “...Peço desculpa Por levar estes meus dedos Magoados e leigos a escrever À tua boca...” Belo, não é. Que dizer? Esta estrofe seria um belíssimo poema. Devo dizer que não gostei dos dois últimos dísticos. Não acrescentam muito ao poema e tornam-no um pouco lamechas. As desculpas evitam-se, mas então, o que faremos com o divino perdão? Favoritei, como de costume |