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Sobre amor e morte (Rebeca)

 
Tags:  amor  
 
Fúnebre palidez encarcerada num caixão antigo,
a alma que se desfaz ao vento levando os segredos do além,
misteriosa força que mantém o corpo intacto e vazio de espírito,
apenas não é tão forte quanto o amor que prossegue post-mortem no castigo da distância intransponível....

Olhos azuis que trazem recordações pesarosas,
fechados,mas não deslembrados
na minha consciência enlutada,
nada além de lamentar por toda existência a perda inestimável da mulher que amo,eis um breve resumo do que antevejo em meu novo universo rodeado de lápides,
coberto com o manto cinza da desgraça carrego comigo a cruz da doença e através dela recolho-me em trevas sem que o seu toque delicado possa tornar mais suportável o existir.

Rebeca sorria com lábios entreabertos,discretos, tímidos e amistosos,
sensual caminhando junto ao quarto permitindo que entrasse a odiada luz do sol pela janela no alto,sim, posso dizer que conheci a felicidade,mas agora é passado apenas.

Minha pele assume tons translúcidos e as veias saltam em meus braços magros,
cansado, imóvel permaneço aqui tal como epitáfio vivo erigido em homenagem singela diante da magnitude da presença do mais belo anjo que pisou em solo terreno.

O pecado que adocicava seu corpo esbelto e feminino ultrajando o Juiz onipotente e seu filho crucificado,
cantado em segredo, sussurrado nos ouvidos dos demônios da fertilidade e do desejo,
reverberando em algum abismo onde se proclamou independência dos dogmas da sacristia em adoração ao prazer,
única e esplendorosa em voluptuosa blasfêmia
que a todo momento prazeirosamente escutava admirado.

Amanhece, sempre escuro no mausoléu simplório,trancado,uma fina camada luminosa,
como uma linha rente ao chão,
não ouso sair ou mover um músculo,
chorando em silêncio,meditativo,sentindo a umidade doentia que contamina meus pensamentos e meu corpo.

Frio como defunto, e em breve, por que não ?
Celebrado como cadáver, ao lado de Rebeca ?
Uma incisão apenas no pescoço, uma dose mortal de arsênico ?
Um tiro na cabeça,não pois seria ultrajar o santo monumento que carrega o nome dela junto a parede no fim estreito da nova morada,
já é noite saio sem demora para retornar, taciturno, sem cumprimentar os parentes e mãos estendidas com seus pêsames mecânicos,educados e formais ,dos olhares de quem cobiçava minha amada reconheço todos.

Recolhido na penumbra densa
ela continua intacta, intocada pelos vermes devoradores e suas larvas,
eu mais pareço que apodreço vivo,
pois então que pereça em paz junto a quem é de importância,
depois do primeira corte,profundo e doloroso, no outro pulso o mesmo procedimento,
ceifando firme, esguichando, cuspindo em meus olhos como quem reage desesperado,ensopando meu rosto.

Fraquejando,na curta distância cambaleante,
um beijo na testa cálida, gelada,
orando ao inverso,mal respirando
sinto o derradeiro entorpecimento e que tudo não passa de um pesadelo que acabará não com meu despertar mas com o repouso verdadeiro e eterno do esquecimento.









 
Autor
RaimundoSturaro
 
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