Foi tua ausência cotidiana que me deu os espaços onde escrevo
A sala vazia noite afora, o abajur sobre a mesa a iluminar o papel
Eu que queria te mostrar as estrelas, o céu coalhado de estrelas
Não te deixarei nenhum poema para que guardes ordinariamente
Entre as roupas íntimas, na última gaveta do armário da memória
Para exibires a inúteis convivas, como se meu verso fosse troféu
O que, porventura, te escrevi, partirá com a brisa da madrugada
Os quadros que te pintei, já se resumiram a uma natureza morta
Uma lembrança jamais te deixará: a percepção que a vida existia
E doerá em ti, mas não quero tua volta, o abandono eu sobrevivi
Pela noite imensa, sem teu perfume barato e teu uísque nacional
Aprendi a navegar por mares revoltosos entre o pânico e o amor
O som da minha voz era para tua voz, não para tua língua ferina
Logo chegará a manhã, para trazer silêncio, calar enfim tua voz
Também reaver as estrelas dos ocasos destes poemas descalços
Quero dizer que a tristeza que me destes foi transitória e fugaz
Não o amor que vivi à tua revelia, secretamente, em meu íntimo
Que teu desamor morreu no último amanhecer, na última aurora