De todas as manias que eu tenho, tenho uma mania que eu não sei de quem herdei, que é de frequentar bares de quinta categoria; e como gosto. ‘Pé sujo’ é assim que chamamos carinhosamente esses redutos Cariocas cheios de energias verdadeiras, de gentes verdadeiramente despretensiosas de orgulhos, nunca metidos a bestas. Aliás; gentes finas no sentido refinado da palavra são insuportáveis, chegam na ‘roda’ se autopromovendo demais, com uma retórica ‘chata’ e repetitiva demais e quando discursam, enlameiam qualquer conversa livre boa; aí haja ouvidos. Revertem, desmancham, vilipendiam as coisas simples, as gentes simples e as palavras simples donde nascem às grandes ideias, as quais se costumam abraçar para o passo a frente no cotidiano; o próprio ou do próximo, sem mania de altruísmo. E não há como se conter a presença nefasta desses indivíduos, seja em qualquer lugar; num site, por exemplo, e o que ajuda bastante, é quando o recinto é restrito, sem platéia, sem refletores e purpurinas, menos ainda num bar pé sujo, onde que; as cabeças pensantes dos frequentadores habituais são muito abertas e não entram no jogo sujo das palavras, nem das ideias retrógradas, são gentes grandes desprovidas de altivez barata, e que rebuscados; bastam os ladrilhos do chão e os azulejos importados a mais cem anos, o rococó da base do balcão com tampo de mármore trincado, as sancas de gesso e estuque do teto e o ventilador de parede com um terço da velocidade, desgastado pelo uso intermitente ao longo dos anos, e que já não espantam nem mais as moscas. Coisas das antigas e necessárias, aceitas, mas as únicas que inspiram confiança, por isso suportável. Assim como; recompensa e me alegra sobremaneira a presença de algumas modernidades, o que é inevitável. E contrastando com tudo isso, e que me faz desviar desses detalhes costumeiros, é a presença estática porém festiva para os meus olhos do freezer vertical marcando no termômetro 0º suprido de ampolas nevadas, e, uma asseada e iluminada vitrine elétrica, suada e abarrotadas de tira-gostos de aparência honesta e identidade duvidosa, mas que a galera saboreia lambendo os beiços, e eu também, claro, depois de uns goles de cachaça, da pura, e das cervejas geladas servidas no copo americano. Pureza é imprescindível para o bom nome de um lugar, mas só ela mesmo, a cachaça, confere a ele esse status. E como em todo lugar honesto e puro, há a presença de coadjuvantes e que se fazem notar; como o gato angorá a rosrosnar debaixo da mesa, e a procedência do portuga, visto a bandeira lusa pregada na parede, do proprietário do estabelecimento, que apesar de poucas falas e não aceitar brincadeiras nem gozações é amabilíssimo, uma raridade, por isso cativa-me ter uma frequência assídua, eu e os meus amigos, gentes enormes, enormes corações, porque que são tão somente aqueles homens mais ou menos inteligentes, mais ou menos intelectuais, mais ou menos de esquerda, mais ou menos anarquista, mais ou menos poetas. O menor sou eu, mais ou menos autodidata, mas todos autênticos Cariocas queiram ou não. Está enraizado em cada um; isenção de superioridade é o que lapida dia após dia essa coisa que anda se perdendo por aí, o sentido, a qualidade da amizade. Compreensivo em termos, no âmago das pessoas, no individualismo, na competitividade desvairada, movido por causa das fragilidades comportamentais dos novos tempos. Felizmente entre nós grandes amigos ninguém é mais que o outro, não se precisa ser, a hipocrisia é zero, o maldizer é zero, isso incomoda. Não a nós, que entre uns goles e outros acompanhados de salsichão assado na brasa, acebolado, fatiado, com farofa e pimenta, e com muita conversa boa, é que a gente se entende. E assim, no meio desse bom astral põem-se as palavras de pé, enquanto possível. E pra inveja daqueles, fadados aquela vidinha solitária, por própria culpa, sedentária e repetitiva por situação, vai se levando aqui uma ‘insuportável’ boa vida carioca, ora falando de literatura, ora regurgitando um poema, batucando na mesa de lata ou na caixinha com fósforo, fazendo a vida virar samba. Tudo isso sem precisar espezinhar ninguém. Perfeitamente possível, pois tudo está provado e aprovado aqui, debaixo desse céu azul, que é perda de tempo, perder tempo explicando o prazer que dá o sol, o mar e as gentes daqui. Muitos que se acham entendidos, mas não fazem deles capazes de beber dessas simplicidades, tentam infiltrarem-se, mas amarguram-se, pois sabem que são a pior espécie de gente pra frequentar esses locais, não cabem nessa filosofia, se acham inteiros demais, completos demais, laureados demais, celebridades demais, autointitulando-se os donos da ‘cocada preta’; todos ‘quebram a cara’, são doces que dão travo na boca, no olhar e no sentir. É a empáfia que os identificam longe, mesmo na obscuridade; e como é repugnante vê-los atuar nos entendimentos interpessoais mais simples, valendo-se das metáforas para agredir e as entrelinhas como armadilhas para satisfazerem assim o ego de ar superior e magnânimo. Pior de tudo, é que atraem os pseudos cults, fãs clube, e os baba saco para aplaudi-los, e mais, juntos; vem àqueles considerados mais ou menos amigos deles, considerados amigos dos mais ou menos inteiros, que são piores que os mais ou menos inimigos, ou falsos amigos. Pois os inimigos a gente aplaude, se conhece pessoalmente. Já os inimigos distantes, até há alguns que arriscam por a capa de amigo, mas esses são sem importância ao convívio, não dou crédito. Só depois de eu encarar, de olhar olho no olho. Fora isto; não dá nem pra tentar saber virtualmente. É descartável.
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