Esta crónica não é recomendável a todos aqueles que estão a curar a hipotremia causada pela derrota do Benfica, e que aos seus cascóis deram outros aproveitamentos. Logo, excluo seis milhões de possíveis leitores.
Também não é aconselhada a leitura a quem tem processos embargados numa qualquer câmara municipal, a quem tem a conta bancária com três ou menos dígitos, a quem já se habituou às meias rotas ou a quem ainda é fã do sabão rosa. O que somados os factores dará qualquer coisa como: dois milhões e tais de pessoas, em números redondos.
Aviso aos que têm reformas em atraso, aos que têm o pára-choques esmoucado, aos que esperam um milagre nas suas vidas, aos que em acto de deliquência levam suas caçadeiras em vez da cana de pesca para pescar, por favor, não prossiga a leitura que pode ter um fim indesejado.
Também aquelas pessoas que são peritas a desenrascar a sua sobrevivência, que se não fosse um celofane vermelho para fingir o preto e branco da televisão não sabiam a cor do equipamento da seleção, aquelas pessoas que vão ao shopping porque de tarde não há missa, por amor de Deus, deixe de ler e esqueça o que está acontecendo. Vá-se embora! Esta crónica é de todas a pior, é moribunda, é uma bruta-montes, andou de tasco em tasco, provou vinhos amargos, arrotou sem licença, levantou um dos lados das nâdegas e houve quem não ficasse incomodado.
Quem tiver salário a espreitar pelo buraco da fechadura, quem não tiver amigos “lá em cima”, quem espera autocarros à chuva e ao vento, quem vota em branco, quem tem conta no merceeiro, quem toma café com borras e tudo, quem é especialista em palpites de meteorologia e erra sempre, quem espera que no seu quintal apareça a galinha dos ovos de oiro, a quem tem sonhos comidos pela traça, a quem inventa uma solução para a vida com frases bonitas, a quem tem a quarta classe e sabe mais do que um engenheiro, repito, não prossiga a leitura.
Ficará a saber que pertence à maioria, ficará a perceber por que é que nunca pegou num taco de golfe, por que é o seu salmão é de outros mares, o seu carro tem travões avariados, por que é que ninguém o convida para as festas, que só na bandoma tem o que você quer, ou chegará o dia que fritará ovos com vinagre.
Feitas contas, corro sérios fico de ficar a falar para a senhora da ponte. A quem não tem coroa na cabeça, a quem não é filhinho de papá, a quem fuma tabaco de enrolar porque sai mais barato, a quem nunca mandou um árbitro para aquele sítio, a todos os heróis que vencem oito horas atrás das máquinas, a todos os que bebem pelo gargalo para evitar lavar os copos, aos meninos que pedem licença antes de atirar o pau ao gato, aos senhores que não usam vincas nas calças, às senhoras que não sabem o que é cera depilatória, às meninas do coro das inocentes, os meninos que dão as primeiras passas num charro.
Suplico, não continuem a leitura desta horrível crónica, deste texto em que a mentira aponta para o sul, sob pena de ficar sem utentes para esta consulta grátis. Feitas as contas mentalmente, já lá vão mais um milhão de leitores para o “caneco”. Ou seja, num rápido somatório, perdi num ápice nove milhões de possiveis leitores num universo de doze milhões de portugueses.
Também faço um apelo a todos os que esperam anos por uma operação aos rins, a todos os que carregam nos erres causado pelo excesso de raiva contida, a todos os pacientes que estão “à espera do comboio na paragem do autocarro”, aos que utilizam as bebedeiras para esconder certas viroses, ao povo que não tem terra mas usa a enxada para cavar terra alheia, a quem é amigo inseparável dos comprimidos para dormir tranquilo, a quem leva cartazes em vão, a quem come as sobras do almoço, aos que partem um bife em quatro, aos que erguem as mãozinhas a Deus como última alternativa, às vítimas do progresso, aos que estacionam em cima do passeio e não são perdoados, retirem-se, este texto não vos diz respeito, esta palavras irão incendiar-se assim que chegar aos olhos de quem mama sem pudor. Neste leque estará outro milhão de pessoas afectadas pela indiferença.
Mas não é só para eles que não vai este texto, incluo marginais, ex-sindicalistas, grevistas, resistentes de enxurradas com base em psicotrópcos, às mulheres de rua, aos homens de rua, ex-mulherengos, contadores de trocos, etc. isto dá mais de um milhão de habitantes. (Se você decidiu continuar e pertence a algum destes grupos, então desejo-lhe boa sorte no futuro.)
Resumindo, ficam meia dúzia, daqueles que você sabe: sabotadores da democracia, Salazarentos, Hitlerianos, Pinocheiros, Bersluconistas. E é para eles que vai esta crónica. Mas a esses apenas digo: 25 de Abril Sempre!