como é possível este tormento
sem conseguir dizê-lo aos 4 ventos
os lábios foram-lhe cosidos com farpas mudas
e tem um pé colocado no seu rosto
pronto a partir-lhe o sorriso
que constrói a cada dia
para os seus afectos.
não consegue aprender a viver
de boca fechada
mas, por medo
não consegue articular um som
que a todos seja agrado.
tem a boca cheia de silêncios
mas aprendeu que é feio
falar de boca cheia
por isso, quando come, mastiga lentamente
alguns doces para amparar
de outros ouvidos
esse travo avinagrado.
tem medo até dos seus sonhos
como de quem a sonha morta
numa rotunda qualquer...
não esquece algumas (muitas) mazelas
mais na alma, que no corpo
que este sara depressa
já a alma, essa, credora de gratidão
vê junto a ela murchar o coração
aprendeu que é vergonha a fraqueza da dor
não consegue destravar a maçaneta da porta
sempre fechada ao entendimento
por vezes canta, mas a pauta da música
já não tem ouvidos para embalar a verdade
nem outros para a conceber
como ela é, melodia triste e solitária.
mulher frágil, cheia de força
nunca é dia de perder a esperança
conta um dia depois dois, depois três
um após outro, como faca a resolver
um amanhã melhor talvez...
um outro céu, outro horizonte
talvez outras asas que lhe permitam
mais um pouco de azul, e respirar
houvesse algum cientista, com o condão de inventar
uma pandemia
de ouvidos com alma.