Se um dia eu já houvera dito algo sobre dias de chumbo
Jamais imaginei quão mais plúmbeos que poderiam ser
Numa tarde qualquer em que o sol não vencia a neblina
E já caminhava de forma lenta e seguramente ao zênite
Vem um inesperado relâmpago que me trespassa o peito
Do nada espalhando trovões de dor lancinante e amarga
Fixando meus olhos estupefatos na mesmice dos azulejos
Para ver suas linhas antes retas se ondularem em zig-zag
O suco de caju que fazia e ia adoçar restou-se sobre a pia
Acre como o espanto e o fel que roubava cada gota de ar
As mãos em desespero revolviam-se em busca de resposta
Na minha mente estavam as crianças na sala ora solitárias
Como lhes dizer que sentia minha vida indo e se esvaindo
Por uma fresta oculta no peito que o meu destino escolheu
Entro na sala com a sombra da morte já estampada na face
Que não era possível esconder e o menino desaba lágrimas
Roubo-lhe a meninice, para evitar a tristeza de ver-me cair
Na partida que meu temor antevê: vai agora olhar sua irmã
Ele em prantos me abraça: vai filho ficará tudo bem, vai sim
Não temia ir-me, mas que não lembrem de mim ao crescer.
Que minha presença se limitasse a fotos ou histórias frias
Tudo se apaga brevemente e depois das sirenes, nova vida.
O que foge da compreensão inda flutua diante meus olhos
Sem respostas, cumpre galgar o conhecimento a cada dia
E assim Deus inicia-me um novo episódio. Que assim seja.
Há 6 anos eu deixava o hospital depois do primeiro infarto, acreditava que tudo seguiria bem...