E correram as longas águas do rio que chorei,
por entre montanhas e vales e descerem purificadas
ao ventre plano do meu âmago.
Agora silenciosa e inerte, lembro-me das estratégias
que inventei para me livrar dos pensamentos
que me invadiam, ou enfrentava ou morria...
Jamais alguém por mais justo que fosse,
poderia compreender a voz suave da água cristalina
que me banha e desliza suavemente, estas águas purificadoras
que irromperam e arrastaram tantas vezes a voz que sussurrava
aos meus ouvidos - a voz das adversidades do desassossego,
da frustração, a voz da derrota, da revolta ...
No céu de todas as manhãs estendo a voz dos pensamentos
no vazio do estendal, para que o vento sacuda a poeira,
apanho-os já refeitos com a consciência lavada.
Agora com os olhos postos em mim, livre de todos os sentidos
nefastos e destruidores, pinto na tela dos dias a transparência
dos meus olhos, para bordar nos gestos a brandura
de cada atitude, visto-me de determinação e pressinto
os passos ligeiros da vida sem certezas e enfrento-a.
Enfrento-a como se enfrenta a transparência das vontades acesas,
imprevisíveis, e a realidade está viva, habita-me sem floreados,
deixei cair as ilusões no poço fundo do tempo, mas sonho...
Sonho com a inevitabilidade, na beleza e leveza de tudo o que suponho crer, e creio na brandura dos dias, nas horas
que traço o caminho diligentemente, e busco em mim a Luz
que se acende a cada piscar de olhos, inalo-me e respiro-me na fragrância do amor que trago em mim.
Pergunto ao rio sobre o meu passado e ele sorri-me...
Sorri-me no deslizar das águas mansas e vejo o retrato velho da dor esbatido sem fôlego, guardo as lembranças da superação
na resiliência, pois foi quando cresci que nela afoguei
todo o meu pranto.
(Alice Vaz De Barros)
Alice Vaz De Barros