Era um domingo que a melancolia nos faz morada
E as nuvens se espalhavam como um mar nos céus
Eu sentava numa velha poltrona na sala de jantar
No ar havia um rumor, como aquele de mudança
Coisas arrastadas de lá pra cá, no andar de cima
Eu que apesar de criança já vira muita mudança
Só olhava pela janela a chuva que começara cair
Aos poucos seu cheiro doce veio preencher o ar
E o som dos pingos romper o silêncio dessa tarde
Nestas noites que uma solidão trôpega toma o ar
O chiar da chuva na árvore inda vive na memória
Na essência das águas vivas como primeiro alento
Lembrança imaculada que afasta ocultas mágoas
Ali a água fertilizava uma imaginação ainda verde
Forjando ideias no escuro súbito daquelas nuvens
A essência do que me move a replicar a natureza.
Hoje as janelas se abrem a outros mares e tempos
Mais duros e crespos, cheios de abismos a vencer
Os domingos não têm mais cheiro úmido de mato
Tão só a memória perpetua e recompõe a fábula
Do menino que inda vive em mim a olhar a janela
Longe do conflito íntimo e surdo dos contrários
Entre arar a terra ou cavar seu próprio sepulcro
Ser pássaro de asas abertas ou pilar de concreto
O que é frágil e transitório ou o que se eterniza
São as chagas da luta contra as dúvidas dos dias
Meu menino resiste na semente, alma e coração
Na faina cotidiana solitária bato as asas em segredo
Para que cada caminho me reconduza à paz perdida