No dia quase iniciado há uma nostalgia profunda exibindo os sulcos na alma dele e uma angústia enorme ansiou-lhe pela face no escuro do pré-amanhecer. Vagas memórias dos caminhos fugidios pelos quais andou lhe trouxeram uma grande sensação de solidão. Que se ampliaram, pois, as ruas inda vazias não mostravam nenhuma presença de quaisquer seres, visíveis ou não. Nas calçadas úmidas do sereno dos dias frios se refletiam as luzes dos postes.
A poesia lavrada em dores é projetada ainda em sombras e manifesta sua origem nos versos sentidos. As recordações vêm em turbilhão e aquecem a mente ao atrito na vibração de tantas memórias. Ainda há pouco a noite lhe agasalhava o sono e sua cabeça repousada sonhava com dias distantes.
Esse mesmo sonhar que ora se condensa e seu espectro corporifica-se em matéria acendendo um clamor vívido e doando uma claridade interior tênue e furtiva.
Isso gerou um corpo animado, quase real, daquela doce imagem de um passado remoto e, assim, ele percorre com a mão a distância que bastaria a tocá-la, mas é em vão... ela não está lá, mas vive em seu sonho e é a presença recriada pela saudade. Que no exíguo espaço dessa clausura quer vencer o espaço na esperança de poder sentir-lhe a pele clara e macia como uma seda de textura inigual, de correr os dedos entre seus cabelos dourados, ondulados como os trigais ao vento.
Relembra de um perfume suave, mas marcante, próprio das fadas, ah... ele jamais o esqueceria. Um dia por medo ele fugira e, assim afastados, sua vida se fez uma solidão insólita, que ora parece se multiplicar diante de seus olhos invariavelmente enevoados. Não têm mais o brilho do fogo que ardia em seu interior, só restaram parcas cinzas. Seu rosto, agora inexpressivo, é apenas vestígio da visão de beleza que já teve.
Pois é que nessa manhã, como a página reaberta de uma antiga história, a ansiedade veio lhe percorrer a alma e aquele sentimento indomável, até então aprisionado em seu coração clama pelo retorno à luz. Foi assim que os ecos de um canto novo e lírico surge, recomeçando a tecer uma teia de perspectivas que, no mesmo peito em que se fabricavam as sombras, começam a germinar sementes. Ele não quer mais apenas memórias daqueles gestos, tão dela e que preenchiam o vazio, ele confessa a si mesmo que os quer presentes.
Ele sempre teve a certeza que eles, homem e mulher, eram parte d’um único ser e o amor deles era o maior dos amores e sempre foi capaz de nutrir-se mesmo à distância e capazes de não sentirem a ausência um do outro, nem a distância física de um oceano que os separa. É o sentimento vencendo o espaço ligando duas almas em terras distantes. É a claridade a celebrar o rito, para recriar uma vida ávida de eternos reencontros.
A cor do desejo libertou as asas do pássaro para voar em direção do amanhã, para alcança-la como um dia alcançou, tocá-la como só ele a tocou. O pássaro, assim, cantou a canção que só a ela um dia ele cantaria e num pôr de sol à beira mar, juntos no mesmo lado do oceano, seus lábios em silêncio trocaram os segredos de toda uma vida. O dia amanheceu, ele abriu os olhos em seu quarto repleto de ausências, mas sorriu e deixou-a a dormir.
Esta é uma história real e feita de personagens reais, qualquer semelhança com a ficção é mera coincidência.