Observo o brilho mágico dos carros a cruzar a cidade
Vejo que cada um carrega vidas, cada qual na sua dor
Com seus buquês de escolhas, sua cabeça, suas febres
Percebo que outras pessoas observam os movimentos
Meu olhar logo os imagina como gárgulas nos telhados
Cada um com seu olhar diluindo-se conforme afastam
Vejo olhares de quem não perdoa a culpa de estar vivo
Olhares de empoleirados felizes perdidos na imensidão
A sombra do outono deixaria essas cores mais maduras
O outono tem um gosto qual fosse dos esquecimentos
Mas estamos no verão e no calor é mais difícil respirar
Não há nuvens no céu e toda a dor salta para os olhos
Uma tristeza nua que habita a solidão dos transeuntes
À tarde virão as chuvas, sempre desmedidas, a inundar
Nada é sob medida e os carros seguem deslizando a rua
Porque tantas perguntas intermináveis sobre essa vida
Frágil que insiste morrer, não há paz, nem há respostas
Onde estará o espanto simples das descobertas infantis
A noite virá e os carros pouco a pouco vão se recolher
Fecho a janela, vou dormir e a vida segue imensa lá fora