Foi na altura certa para afirmar a posição de pai. Tinha sido derrubada a autoridade naquele momento preciso, tomar a atitude que se exigia era imprescindível - agora ou nunca.
O Toninho tinha dormido, em casa, com uma amiga. Não dizer nada antes aos pais era imperdoável, violava os princípios basilares de tradição bem como a ética familiar e, por isso, merecia repreensão maior.
- Realmente, não tínhamos dado por nada. Durante a madrugada, apenas ouvimos uns rugidos estranhos. Pensámos serem dos novos vizinhos. Pareciam demasiado perto, eram novidade. Entre um baloiçar estranho e ritmado do candeeiro, uma música semi-arrepiada de ventríloquos suspensos em cadência, qual música de banhos turcos em outono frio – sem cheiro a eucalipto, obviamente.
O ruído durou o tempo suficiente para orar pelas desgraças mundanas, rogando ao senhor pela remição dos pecados.
-Reprovo a escravidão do corpo e todo o homem que troca a graça espiritual pela platitude mundana. Com a aurora o ruído terminou.
Ao almoço, apareceu de súbito uma cadeira extra à mesa, comandada pela mão da mãe. Sentei-me e, entretanto, irrompeu naquele momento na sala uma trintona, de peito robusto, cara pontiaguda quebrada por um cabelo loiro e sedoso, que escondia sob ele umas sobrancelhas espetadas, assemelhando-se a pregos negros e finos milimetricamente dispostos, como que protegendo os olhos do reflexo do mar em dia de sol que - tapava a vista da TV.
Interrompi a garfada que ia comendo de salada de alface, misturada com agriões, que tinha colhido na ribeira da freguesia, enquanto ouvia as águas límpidas e cristalinas a quebrar nas rochas mansas. Olhei novamente absorto para aquele pedaço de mulher e recordei o alvoroço daquela madrugada. Meu filho estaria mesmo perdoado?
E diz a mãe com voz de predestinação.
- Há que postergar as atitudes dos filhos e apoiá-los.
João Garcez