A mania das pressas
Um domingo logo de manhãzinha, a Minda e o Tone meteram-se no comboio em Valença, rumo ao Porto. Viajaram no “Flecha” que só parava nas estações, os apeadeiros eram para o comboio que vinha a seguir.
Chegados à tabela a S. Bento, tinham o Fernando Castilho à espera, com o nervoso miudinho que o caracterizava e que o impelia a percorrer para lá e para cá, vezes sem conta a gare, à espera dos cunhados que iam à sua casa almoçar. Ao fim da tarde, retomariam o comboio em sentido inverso até Valença, onde moravam no cruzamento da estrada de Monção, para o Monte do Faro.
Depois dos cumprimentos, saíram da monumental estação ferroviária, atravessaram a rua em direcção à Avenida dos Aliados onde esperaram pelo 82, o autocarro que os levaria até à Avenida Fernão Magalhães, à casa do Fernando, a dois passos do Estádio da Antas, numa transversal ali próxima.
Enquanto o autocarro não chegava, ainda houve tempo para um cafezinho rápido ao balcão do “Embaixador”. Finalmente em casa, a Minda foi logo ajudar a irmã, a Letinha que se afadigava na cozinha, para ter o almoço pronto a horas, enquanto os cunhados se sentavam tranquilamente nos sofás do escritório.
- Fernando, você sempre arranjou os bilhetes?
- Claro, já os tenho há mais de uma semana.
Tinham combinado ir ao futebol, às Antas, ali ao lado. O Tone ligava pouco à bola, mas o Fernando era um doente pelo seu querido Futebol Club do Porto. Só via o Porto, fosse em que modalidade. O que interessava é que o Porto ganhasse.
Chegada a hora de almoçar, foram para a sala de jantar, saborear um arroz de cabidela, feito com esmero e para o qual tinha sido convidado um frango, que a Letinha havia comprado no Bolhão, morto e depenado ali mesmo, na frente dela.
O almoço arrastou-se com a conversa, agora vem o arroz doce e mais logo está na hora do café, servido com uma aguardente, que o Fernando trouxera de Âncora, da última vez que lá tinha estado. Impaciente como era, olhou várias vezes para o relógio, não se conteve e disse:
- Eu vou para o estádio.
- Ó Fernando, não é ainda um bocado cedo? – Pergunta o Tone, que já nem se lembrava do futebol.
- É, mas eu vou para arranjar lugares para nós. Você depois vai lá ter comigo.
- E como é que o encontro no meio de tanta gente?
- Tome lá o seu bilhete. Quando chegar ao estádio, entre pela porta sete, aquela que está mesmo em frente. Você entra e eu estou ali à mão direita, à beira da entrada.
- Então está bem. – Concorda o Tone, acendendo mais um cigarro.
O Fernando sai quase a correr e a Letinha diz:
- Estais admirados? Muito aguentou ele hoje. Se não estivésseis cá, já tinha ido para o estádio há muito.
- Mas ainda falta quase hora e meia…
- Que quereis, ele é assim!
Quando se aproximou a hora do jogo, o Tone levanta-se, dirige-se para o bengaleiro da entrada e veste a gabardina que tinha trazido. Fez algum esforço para enfiar o segundo braço, olhou para si próprio, reparou nas mangas por meio do antebraço e chamou:
- Ó Minda, anda cá ver a gabardina. Parece que encolheu…
- Tu não estás bom, ainda há bocado a trazias vestida e estava bem, como…Ahhhh, encolheu mesmo!
- Eu bem te disse! – Dizia o Tone com a gabardina vestida, que apenas lhe chegava a meio das coxas.
- Essa gabardina é do Fernando. – Esclareceu a Letinha que saíra da sala para ver o que se passava.
- Então deve ter levado a minha gabardina, por engano.
- Deve ir com ela quase a arrastar pelo chão.
- Se a mim fica um bocado grande, que fará a ele! Não faz mal, nem sequer está frio, eu levo a gabardina dele no braço e chegando lá ao estádio trocamos.
E assim fez, encontrou com facilidade o cunhado, que, com a mania das pressas, ainda nem tinha reparado na “albarda” que trazia vestida.
Desfeito o engano, trocadas as gabardinas que eram do mesmo formato e da mesma cor, divergiam no tamanho, começou o desafio. Não sei quem ganhou, espero que tenha sido o Porto. Nessas coisas, saio ao meu tio Fernando!